Há
noites em que o sono tarda e o sonho se recusa a inspirar-me a espera. Tudo
parece estranho, vazio, escuro, silencioso, só a voz dos pensamentos qual roda
dentada que ruidosamente se sobrepõe ao descanso que o corpo pede. De repente,
quando a tensão diminui e permite uma consciencialização de maior pormenor, eis
um ruído, não chega a ser barulho, não incomoda, antes parece que embala.
Sustenho a respiração, ponho o ouvido mais atento, é uma batida suave e
ritmada, como se realizasse um trabalho incansável, como se tivesse uma missão
sem meta, e ele, bate, bate, bate, reconheço-lhe o som, que alegria de
reencontro, de agradável companhia, sim, é o coração!
Imagino-o
árduo trabalhador durante aquelas horas escuras, enquanto o corpo inerte
descansa. Ele arregaça as mangas, mantém-se sério e concentrado na sua jornada,
é assim de manhã até à noite, sem queixas, sem greves.
Neste
momento sorriu, imagina se o coração fizesse greve, o que seria, eu nem teria
tempo para lhe ouvir as reivindicações, ia desta para melhor, num ápice.
Porque,
sim, ele tem a minha vida nas suas mãos; senti medo, senti um enorme respeito,
amei-o pelo seu cuidado, por ser incansável, imparável até ao dia em que as
forças lhe faltarem.
Reconheço
que lhe devo dar muito trabalho, aí os doces, as batatas fritas, as
autoestradas de vias que ele tem de limpar, filtrar, despoluir. E depois os
sustos que quase o fazem cair no chão, ou as paixões que o
fazem partir-se em mil pedaços.
Desculpa
coração, nem sempre te dei atenção, não te escutei, obrigada por estares aí
para mim. Batendo a cada tristeza, rejubilando em cada alegria, não sou uma
companheira fácil, bem sei, mas ainda assim, acredito que não querias estar do
lado esquerdo do peito de mais ninguém, pois não, coração?
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