Tenho saudades do bico da esferográfica, do fio de tinta que
deixava na folha branca, como se fosse um rasto que o olhar segue. De repente,
uma subida, logo depois, uma curva e por fim uma rápida descida. Uma, depois
outra e mais outra, surgem as letras, num movimento que quase se identifica a
uma vertiginosa montanha-russa, tudo isto para que no papel surja desenhada a
mais simples palavra.
Pouco importa o que ela diz, ou que história nos quer
contar, porque a sua beleza, o seu requinte está na sinuosidade da forma, no
emaranhado das suas linhas, que se unem num estreito abraço para logo a seguir
se separarem e entenderem-se como raízes em busca de água, ou erguerem-se como
ramos com fome de sol.
Pergunto-me que divino pintor criou a nobreza destes elos,
que magistral autor lhe deu tão particular significado, que mestre criador lhe
deu tão sublime sentido. Independentemente do seu conteúdo, independentemente
do que ele encerra, o seu código, um segredo sempre disposto a revelar-se, que
quer ser de todos para que cada um o tenha ao seu dispor e dele disponha para
levar mais longe o que num passado longínquo foi imaginado pelo ser humano
quando saiu da caverna e olhou para o universo, mudo de espanto, quis falar,
mas o som das palavras não lhe fez jus, então, desenhou no chão caracteres, e
chamou-lhes letras, casou-as com harmoniosos pares e surgiram as palavras, nenhuma
quis faltar à festa, reunidas formaram frases, o texto nasceu e cresceu saindo
do chão, fixando-se em esvoaçantes folhas. Foi preciso uni-las para não fugirem,
cozer uma a uma para lhes dar um lar a que chamaram livro.
Obra que folheamos,
por vezes sem grande acuidade, sem lhe dar-mos grande valor, esquecendo
de onde veio, só nos interessa para onde vai. Ele que veio da inspiração, ele
que veio de um coração. Quando o abrimos, há uma luz que vem do seu interior, a
luz da sabedoria, porque nos ensinaram a perceber cada traço, cada curva, cada
subida e descida, porque aprendemos a ler, aprendemos a compreender as linhas e
por vezes até as entrelinhas.
Paramos de ler e pensamos, mesmo que fosse só por isso, vale
a pena olhar sempre com olhos de espanto, a celestial obra que é a escrita,
quando ela, sem emitir um único som, grita e chora e ri em nós. Fala e cala
mistérios. Adormece e embala. Amiga e companheira nas nossas vidas.