
E
à noite com o cansaço de quem teve tempo para brincar, adormecer numa cama fofa como se fosse uma
nuvem, num quarto que tem nas paredes desenhos de prados e animais da quinta e no
tecto quando a luz se apaga cintilam luminosas
estrelinhas.
Dormir embalada pela voz melodiosa de quem conta uma história de aventuras de
animais que são heróis, não por terem super-poderes mas porque ajudam os amigos
sempre que eles estão em perigo.
Às
vezes procuro por essa criança, algures, dentro do peito, nos confins da memória,
enquanto me olho no espelho em busca do sorriso dessa menina. Imagino-me,
porque só a imaginação assim me consegue ver, só ela me consegue encontrar por entre
os meandros da minha história, a minha verdadeira história.
Então
rasgo cada recordação e escrevo em mim a menina que queria ter sido. Conto-me
histórias e adormeço a sonhar com elas. Um dia vou ser essa menina e a flor no
cabelo lembrar-me-á aquela eterna primavera, a saia florida dançará ao vento, e
eu, pobre de mim tão pouco habilidosa para as artes da dança, ganho jeito e danço
finalmente nas asas de uma gaivota. Com ela elevo-me até aquela estrela que nas
alturas celestes me guia à noite e consigo vê-la mesmo de dia, dizem que é a
alma de alguém que gosta de nós, por isso, gosto dela, mesmo sem lhe conhecer o
nome.
Às
vezes, sinto-me a menina que não fui, sinto-a pulando-me no peito, rindo-se nos
meus olhos, estendendo-me as mãos e dizendo-me baixinho, que ainda temos muito
que brincar antes que a noite chegue, antes que adormeça para no dia seguinte
ao despertar voltar a ser, apenas o que sou.
Mas
algures entre a linha do horizonte e a infinitude da vontade, lá, onde não
existem delimitações temporais, por um breve instante, sou essa menina,
acredito que sim, mesmo que seja apenas num sonho.
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