Sinto
o papel a escrever-me nos dedos histórias que nem eu consigo inventar. E elas
surgem detalhadas, precisas, cheias de vida, de vidas, da minha também. E nessa
escrita apressada, há uma urgência de voz.
Por
todos os silêncios que me ficaram calados ao longo do crescimento, da infância
que de infância apenas teve o nome, a idade, porque sempre me senti adulta, na
responsabilidade, nas tarefas, na exigência do parco existir.
Talvez
por isso me tenha alimentado de fantasia. Até que um dia, as sensações, as
emoções ganharam clamor e começaram a jorrar-me em cascatas oceânicas manchando
de tormentoso azul o imaculado papel.
De
repente, arrependo-me e num gesto aflito tento apagar tudo o que escrevi com a
manga da camisola, mas a tinta derramada, insiste em permanecer e continua a
estender-se em linhas que querem desenhar o infinito e ir para além dele.
Então,
atrevo-me a sonhar, atrevo-me a voar e sou livre. Pela primeira vez sou criança
sem idade, rio-me, sou inconsequente, nada temo, esqueço por um breve instante
que sou uma vida sem sentido mas com uma direção, a de seguir, cumprir,
obedecer, em silêncio de palavras, de olhares, de lágrimas.
Mas
isso é depois, agora permito-me ir além de tudo, do meu pequeno mundo, do
quarto escuro, da sala de estar onde não tenho permissão para entrar sozinha,
da cozinha que é o meu minúsculo pátio de recreio, contudo grande, imenso, para
alguém que nunca aprendeu a brincar. Felizmente, aprendi a escrever e com isso o direito e a liberdade de ser quem
sou…
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