Que
fazer com as lembranças se já não as podemos abraçar. Que fazer com o que fomos se não voltaremos a
ser. E as palavras, os silêncios, os sorrisos, a partilha, a amizade como a
reter, parar no tempo e ficar aqui. Simplesmente aqui, nesta espécie de limbo
de um tempo sem tempo, somente a sentir, a vivenciar.
De repente, os pilares do que sou ficam
abalados. O edifício da minha história estremece, quando tudo passa a ser
apenas e só, memória. Não, não me venham com teorias vãs, essa imortalidade,
que no fundo não o é, desculpas que inventamos para tentar acreditar, para
tentar consolar o sentir e a solidão, para preencher os dias, os anos que ficam
cada vez mais vazios de nós.
Era
a minha referência, o meu exemplo de vida, quem me dera ficar com essa herança
de tranquilidade, de felicidade, de beleza interior, de esplendor em cada
gesto. Essa coragem de ser e revelar-se como era. Gravada em cada célula cada
vez mais solitária tenho a sua voz baixa, suave, mas firme no que dizia, de tão
certa do futuro, porque este era realmente seu. Pertencia-lhe por direito de
conquista, de luta sem desistências. E no entanto, mantinha-se tão simples, tão
discreta, tão verdadeira. “Tenho saudades suas”, lembro-me bem das vezes que a
ouvi pronunciar esta frase sem mágoa, sem cobrança, era suave, envolvente, como
deve ser a saudade, no que esta expressão encerra de ternura, de entrega, de
dádiva, de gostar. Sim de gostar, um gostar que hoje tão dificilmente se
encontra, livre de julgamentos, de críticas, de banalidades. Somente o gostar
de estar, de reencontrar essa pessoa e partilhar a simplicidade do existir
repartindo-se e ficando cada vez mais inteiro.
Hoje,
agora com um coração “egoísta” digo,
“não vá” mas a alma generosa conciliada e conciliadora grita, “vá, vá depressa” para que a morte me
doa no peito mas já não mais em si. Por fim quedo-me no mais profundo silêncio,
um silêncio de ecos que se repetem pelos lugares mais recônditos do meu ser.
E num suspiro que invade o ar que nos
envolve, o adeus, e o desejo mais profundo de que receba esse abraço, o último
da vida, primeiro da partida e colha aquilo que sempre foi para os outros,
amizade.