Tudo
vem tudo me passa e ao passar, minto, se disser que não me fica. Numa célula de
vida, num recanto da alma, no esconderijo secreto do olhar. Mas passa, garanto
que passa, com mágoa ou sem ela, com saudade ou esquecimento, passa.
No que fica, o vago embaraço da lembrança, os resquícios
ténues do que foi esperança… Cresce a semente, um pouco mais de nós, numa
centelha que altera por instantes o frágil timbre da voz. Um adeus que queremos
e não queremos dizer. Um espaço que fica para um outro olá. Há quem desista dos
recomeços, há quem não queira mais enfrentar os dias e sobretudo as noites que
lhe são escuridão dentro do peito. Mas que pudemos fazer se as águas nos
avassalam, se as ondas nos impelem a seguir. Remar contra a maré, ficar âncoras
de orgulho? Não, não vale a pena, quando ainda há tanto céu para enchermos de
estrelas, de luares, de sois, de madrugadas, de chuvas de Março que fazem despontar
a primavera. Há sonhos para sonhar e uns quantos para concretizar. Não, não nos
vamos agarrar ao passado quando à nossa frente o futuro nos estende os braços e
nos incentiva a atravessar a ponte libertando-nos da prisão de ser finita margem.
O horizonte pertence-nos, a estrada é o caminho certo, seja qual for a direção.
E depois, mais tarde ou mais cedo há uma certeza que temos de reconhecer, que
temos que repetir em todas as ocasiões quando a dúvida nos quer sufocar, vamos
sorri, confia, que a vida resolve.