Quando era criança tinha festas de Natal muito felizes, costumava ir para a quinta dos meus primos, todos juntos eramos mais de 30, a maior parte crianças. Lembro-me que na véspera os homens juntavam-se no salão a jogar às cartas, as mulheres em animada conversa ficavam na cozinha a fazer as tradicionais filhoses, enquanto as crianças reuniam-se no quarto dos brinquedos.
Perto da meia-noite toda a família reunia-se no salão à volta da lareira. De repente irrompia pela porta uma figura típica, o Pai Natal, era alto, forte, com barbas brancas e vestia de vermelho, falava alto, chamava as crianças e nós corríamos para ele sem receio. “Pai Natal, Pai Natal e ele sentava-se num cadeirão, um de cada vez sentávamo-nos no seu colo.
Ficávamos surpreendidos por ele saber o nome de cada um de nós. Dava-nos prendas que nem abríamos de tão entusiasmados com a presença do Pai Natal e ele, ria-se, comia bolachas e bebia o leite morno.
Perguntava se nos tínhamos portado bem e depois de deixar um beijo na bochecha de cada um de nós, despedia-se porque ainda tinha muitos presentes para entregar.
Antes de sair, num ultimo olhar, num último momento de magia, dizia-nos, “crianças, não se esqueçam de ser bondosos uns com os outros”.
Já tinha 10 anos quando descobri que o Pai Natal era o meu avô. Era uma figura peculiar, envolta em algum mistério, nunca casou, teve as suas namoradas, claro. Teve filhos, netos e bisnetos. Viveu sempre sozinho, sempre deambulante, mas na noite de Natal nunca faltava, desaparecia na manhã seguinte antes mesmo de nós acordarmos. Perdia-se no meio do nevoeiro, imaginava eu, nunca se despedia, mas deixava mais uma recordação, uma quase tradição, para além de se vestir de Pai Natal, organizava um jogo de cartas que era jogado com dinheiro, no final ele ganhava sempre e antes de partir deixava o dinheiro ganho, repartido por todas as crianças da família.
O meu avô nunca soube ler, escrever nem conhecia os números, era jardineiro porque gostava de flores. Falava pouco mas era muito observador. Se soubesse que alguém estava doente era o primeiro a aparecer. Chegava de manhã à porta do hospital com o seu farnel e esperava até serem horas da visita. Quando achou que já não conseguia cuidar de si próprio, escolheu um lar e deixou-se lá ficar até chegar a sua hora.
O meu avô já partiu há alguns anos, mas recordo-o, particularmente no Natal, não pelas prendas, um pouco pelo carinhoso Pai Natal, mas sobretudo pela sua despedida que continuo a repetir aos mais pequenos “sejam bondosos uns com os outros”.
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