Damos tudo como certo, o nascer
do dia, o crescer das plantas, o adormecer das noites, as nuvens, as estrelas,
a chuva no inverno, o calor no verão, o regresso das andorinhas no começo da
primavera. A roupa lavada, a comida na mesa, o nosso lar, a família, os amigos
e pouco ou nada fizemos para conquistar isso, só temos que apreciar e deixar
que aconteça… Por isso quando nos mudaram o rumo, ficámos sem reação, reagimos
com medo, obedecemos atarantados, desobedecemos cansados.
Pensávamos que
tínhamos tudo, que conhecíamos todas as respostas e afinal, não sabemos nada.
Algo aparece na vida e baralha tudo, andamos como que a montar um puzzle com
milhares de peças, pior que isso faltam-nos muitas.
Tínhamos respostas agora só
temos perguntas. Quase que podíamos explicar como aqui chegámos, quase que
sabíamos para onde íamos. Tínhamos ambições, desejos, planos, queixas,
demasiadas talvez.
Agora damos por nós a suplicar “queremos a nossa vida de
volta”. Porque já não a sentimos nossa,
as decisões estão nas mãos de outros, nas reuniões do Conselho de Ministros, da
Assembleia da República, do Primeiro Ministro e do Presidente da República etc.
etc., e apetece-nos gritar, chega de
ordens, de restrições, de confinações, de separações, a vida não se resume a um
decreto!
Ficamos em casa espreitando pela janela, a vida passa lá fora, as
árvores crescem, os pássaros empoleiram-se nos seus ramos, o vento ensaia uma
dança e as folhas libertas rodopiam até ao chão. Há liberdade lá fora, nem
parece que há um vírus espreitando por algum incauto que tire a máscara, que
abrace um amigo, que saia à rua depois do recolher obrigatório. Pensávamos que
passaria rapidamente, mas Março passou e já estamos em Dezembro, é quase Natal,
nem que seja quase e unicamente no calendário.
Confinaram-nos os pensamentos,
confinaram-nos os hábitos, confinaram-nos os sonhos, os planos, confinaram-nos
os passos, as horas de lazer, confinaram-nos o próprio ar que respiramos.
Mas é
Natal e gritamos em silêncio, não!
Não nos conseguirão confinar o coração!
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