Às vezes, atamos a esperança com fios de
cabelo. Colamos os cacos e cada dia com cola de cuspo. Adormecemos e sonhamos
sonhos de algodão. Levantamos-nos e damos meio passo porque um passo inteiro nos
parece a longa distância de uma auto-estrada. O sol tem um tom de inverno, as
nuvens são cinzentas sem água. E tudo nos parece um véu de nevoeiro que cobre o
horizonte não de neblina, mas de fumo. Como se fossem resquícios de algo que
existiu e já não existe mais, o quê questionamos e o vento responde sem voz:
Nós, aqui, cada vez mais sós. Porque mesmo que sejamos, vários, às vezes até,
muitos, na nossa existência, no nosso sentir, somos sempre e somente, únicos. Ruiu,
explodiu tudo, vidas, casas, passado, presente e futuro. Cada pedra que
colocámos, cada tábua que carregamos, os degraus que nos levavam mais longe, as
pontes que nos uniam. Não eram apenas edifícios, eram história, a nossa
memória, o nosso teto, abrigo, leito. Um barulho ensurdecedor, de queda, de
dor, de pavor. Depois parou, parou tudo, até o tempo ficou suspenso, como quem
espera a medo a ordem de que pode continuar a avançar. Escuta-se um silêncio
que continua a gritar-nos no peito como se fosse um pedido de socorro. Cada um
pergunta-se se está vivo, sai lentamente do torpor e começa a procurar os seus
familiares, amigos, colegas, vizinhos. Vemos uma mão estendida, corremos para
lá tropeçando no chão, tiramos os destroços tentamos dizer-lhe que está tudo
bem, mas ao lado há outra mão inanimada que nunca mais voltará a acenar. É o
primeiro dia, quem sabe, o último, da nossa vida, tal como a vivíamos, ou de
como a voltaremos a viver. Beirute voltará a reerguer-se, claro que sim, mas as
cicatrizes, essas, ficam para sempre.
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