Lembro-me
de ouvir histórias, não vinham dos livros mas das vozes. Não sei se eram reais
ou inventadas, mas ouvia-as, sentia-as como se fossem verdadeiras, faziam-me
rir, por vezes chorar.
Eram
histórias de pessoas sem rosto, mas de imediato as imaginava e elas
saltitavam-me nos sonhos depois de adormecer. Pessoas que não tinham nada e que
pareciam ter tudo, porque tinham o essencial, a esperança, a união da família,
o trabalho honesto, a dignidade, o sentimento de honra.
Com
filhos, aquelas crianças que não tinham brinquedos mas brincavam mais, muito
mais do que as outras que tinham tudo, menos imaginação para construir
histórias e serem felizes através delas.
Lembro-me
de as sentir como se fossem histórias da outra margem, uma margem que não era
geográfica, que não era atravessada por um rio ou mar, mas uma fronteira de
sombras de onde surgiam vozes para as contar. Pareciam-me vindas de longe, de
um lugar distante, de um tempo longínquo.
Tinham
sempre um princípio de verdade, mas depois caminhavam de boca em boca, de
memória em memória, de geração em geração e de repente eram outra história, tão
distante da original, feita desse viver de sol a sol.
Homens
e mulheres carregados de escuridão, cansados da miséria, à noite pegavam nos
filhos ao colo e junto à lareira, quase único aconchego, falavam de vidas
iguais às suas mas que tinham ganho asas de fantasia e que no final da noite,
já com os olhos meio fechados de cansaço e de sono, foram, felizes para sempre.