O
tempo passa, dizem. Mas talvez não passe, e sejamos nós não quem passa por ele.
Nós com os nossos dias e a nossas noites. Com as pessoas que nos entram pela
vida e as que saem avisando ou não. Pessoas que nos preenchem ou pessoas que
nos esvaziam. Por entre as flores que nascem e murcham. Por entre árvores
vestidas no calor ou se folhas despidas por um sopro de vento. Por entre as
altas ondas e a doce acalmia. Por entre cais que são de chagada mas também de
partida para outros.
O
tempo é sempre o mesmo, existe sem tempo, sem demarcação, não começa, não
acaba, apenas existe. Nós gostamos de o rotular, de lhe colocar por datas, de o
acondicionar nas páginas de um calendário, de o aprisionar em correntes de
horas, em laços de meses, em fios de anos. Guardamo-lo em pedaços de memórias e
chamamos-lhes, recordações. Sufocamo-lo no peito e chamamos-lhe saudade.
Enquadramo-lo
segundo o frio e o calor, entre a chuva e o nascimento das flores e
chamamos-lhes estações do ano, apeadeiros de encontros e desencontros.
Vem
ao mundo e chamamos-lhe nascimento, damos-lhe a mão e dos passos periclitantes
aos passos firmes chamamos-lhe crescimento.
A
tecnologia expande-se, as pessoas mudam, chamamos-lhe evolução. A economia tem
ganhos, tem perdas, a política manda e desmanda em todos os destinos e nós
chamamos-lhe desenvolvimento. Cansamos-nos do nosso tempo, zangamos-nos com ele e
chamamos-lhe revolução.
Culpamos
o tempo da sua pressa, quando é nossa a lentidão. Acusamo-lo de morosidade,
quando somos nós quem vai demasiado depressa.
O
tempo não existe, o tempo não é alegre ou triste. Não tem principio, não tem
fim. São definições nossas, num tempo que não é tempo, é o nosso tempo a
permitir-nos sermos apenas nós.