Quantas
pessoas têm tempo para apreciar o tempo? Não o tempo a passar mas o tempo a
pousar como se fosse um pássaro sobre o ramo da árvore da vida?
Poucas
e no entanto o dia tem para todos, as mesmas horas, os mesmos dias, (às vezes) os
mesmos meses, (às vezes) os mesmos anos.
Todos temos tarefas, rotinas, os que têm
muitas, encaixam-nas arrumadinhas em cada canto dos segundos, as que têm poucas
(mas para si, sempre demasiadas), espalham-nas na desordem das horas. Depois,
queixam-se que o tempo “voa”, que nem dão por ele passar. “Ainda ontem tinha 20
anos, hoje já tenho 80, como o tempo passa”, suspiram.
E
no entanto há momentos em que o tempo parece parar e pousar sobre o nosso ombro
sussurrando-nos melodias de vento. Mas nem um cabelo se agita, a vida de
repente parece-nos um dos mais belos quadros de Renoir.
O rosto de linhas suaves, os olhos parados
querem beber o azul celeste, os lábios calados esboçam um quase sorriso de Mona
Lisa, os ombros encaixam-se deleitosos no recosto da poltrona, parecem leves
como quem se libertou do peso do seu viver, os braços em descanso, descem como
um rio de graciosos contornos até ao seu leito/regaço para revelarem no seu
términos duas mãos com dedos entrelaçados num abraço de quem reconhece e agradece
a companhia partilhada.
As
pernas surgem contraídas, numa posição rectilínea de tensão nervosa, os pés
alinham-se sem se tocar, indiciando no entanto, o desejo de passos, de quem
ainda não desistiu totalmente do caminho,
mesmo quando o corpo se entrega a um magistral cansaço, pés que irrequietos na
sua aparente quietude revelam o desejo de continuar a palmilhar a vida. Para
onde? Em frente, sempre em frente, há de ir dar a algum lugar..
Ao
lado da poltrona, no chão, jaz um lenço, terá caído, terá sido abandonado,
rejeitado? É um lenço de companhia que as senhoras gostam de usar para tornar
discreto qualquer gesto necessário de ser feito.
Mas
aquele lenço, ainda novo nas suas funções, identificável pelos os vincos engomados
que trouxe da loja e no entanto já está no chão, caído, esquecido? Não, um
olhar mais atento faz a sua revelação, por entre o bordado florido, uma
lágrima, um quase lago tocando as flores.
Uma
história que só o tempo contará a quem tiver tempo de a ouvir. Podemos contudo
acrescentar à contemplação que, o tempo
pára, mas pára mesmo, não só para quem parte, mas por momentos, também para
quem fica.
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