Por vezes vem-me à memória uma lembrança, uma vontade de
ser outro ser. De tocar a felicidade que sinto conhecer sem a ter vivido. Por
vezes há uma nuvem que me lembra um rosto que não conheço. Há uma brisa que
chama por um nome que nunca pronunciei. Sonho até um sonho que pressinto não ser
meu.
De vez em quando sinto o cheiro de uma flor que nunca
toquei em primavera alguma.
É uma lembrança que me vem silenciosa com uma folha que
tomba do ramo de uma árvore despida e que na sua quietude me chama. Passo na
rua apressada como se o relógio me roubasse as horas, mas eis que algo me
detém, um tempo, um momento, a orla de um instante que nem sei se é ou sequer se
alguma vez será meu.
É uma lembrança que parece chegar de longe, mas que me
toca de perto, como se fosse de ontem, de agora, de um futuro longínquo que já
se foi embora. Mas de onde, de quando, minha, de quem?
Será daquele alguém, que passando por mim me faz parar
mas não se detém, será daquele olhar cruzado que esmorece calado? Será um eco
do bater do seu coração, a nostalgia de um qualquer momento seu, ou apenas uma
mensagem que viaja pelo cosmos em busca de si, de mim, de algum de nós e que
sem se desvendar nos deixa de novo sós. Pergunto-me uma, mil vezes, quem a
envia, para quem a envia que não a recebe?
Por vezes dança-me na
memória a volúpia de um pensamento, (quem me dera concretizar esta lembrança órfã
de afectos), perdida algures na eternidade finita da vida, alcançar a velha
esperança de que um dia me possa finalmente em alguém (re)encontrar.
Contudo a memória já me vai atraiçoando, o
vento já me rouba o mar suspirante dessa lembrança. E num bater alongado de
asas, ela parte para lugar incerto rasgando os laços de esperança com que a
prendi ao meu peito.
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