“Tens
a camisa amachucada”, sim mas não faz mal, pelo contrário, faz bem. Tenho a
camisa amarrotadas de muitos e longos abraços, tantos saudosos, tantos
amorosos, tantos chorosos. Fazem parte da chegada, fazem parte da despedida. Um
adeus que nunca conseguimos dar de coração leve. Um olá que não chega para
compensar as saudades de tantos e tantos anos de distância. “Há quantos anos
que não te via? “Trinta? Como o tempo passa”. “Estás na mesma, alguns cabelos
brancos”. “Simpatia a tua porque são muitos, quase tantos quantos os dias
desses 30 anos”.
Temos
que deixar de nos encontrar assim, repetem, uns, outros e mais outros, sempre
em funerais, porque para as festas nunca temos tempo, o emprego, os filhos,
enfim nós e a nossa vida…
Para
a morte teremos sempre tempo, para a dos outros e certamente para a nossa. Aí
paramos, pensamos, sentimos (se tivermos tempo para isso).
A
morte com tudo o que traz de tristeza, de afastamento, tem o seu reverso, une, ou melhor reúne, a família que se encontra
espalhada de norte a sul e além das fronteiras nacionais, os amigos e até os
desconhecidos, porque depois de 30 anos, já mal sabemos quem é quem, nos entretanto do caminho, a família foi aumentado com
os casamentos, com os filhos, eles também já quase com 30 anos e com a sua
própria descendência.
Onde
tenho andado perguntam-me, pergunto-me, e a resposta parece ser sempre a mesma,
tenho estado aqui tão perto, mas tão perto que em muitos momentos me pareceu
longe. Momentos da nossa vida em que fomos na direcção oposta, em que fomos mais
longe e ainda assim, não parámos a meio, sabe-se lá porquê, até porque no
coração cresciam as saudades. Foi preciso aquela urgência, aquele medo que
alguém partisse, foi preciso que nos dissessem que tínhamos que nos unir num
abraço de solidariedade, de coragem, de incentivo como foi aquele jantar de
primos há 10 anos, éramos bem mais de 30, mais de 60 braços estendidos para
estreitar os sentimentos, as recordações, a vontade de transmitir um pouco de
eternidade. E nesse momento sentimos que unidos vencíamos a doença, a dor, o
medo, e vencemos.
Agora,
aqui, toda a nossa força junta não chegou, a morte venceu, dizem alguns com
profundo pesar. Não, dizem outros num tom de voz trémulo de lágrimas, a morte
perdeu, venceu a vida, a que teve e a que espalhou em amizade, a prova disso é
que aqui estamos, agradecidos e dizendo-lhe um “até breve”.
Cheguei
a casa, olhei para a minha camisa, não, não está amachucada apenas cheia de
abraços, quem me dera guarda-los, na camisa não posso, mas vou guarda-los bem
dentro do peito. Espero que não por mais trinta anos para os acrescentar a
outros, espero que não seja preciso mais uma despedida para me amachucarem
muitas e muitas vezes a camisa.
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