Quantas vezes inventamos os outros,
reiventamo-nos a nós, não por uma mera fantasia, um sonho do qual acabamos por
acordar, mas por um desejo, uma vontade que ergue velas e nos faz navegar.
Então vemos tempestades num mar de bonança. Pegamos nos remos e queremos fugir.
Fugir de um perigo que afinal não existe, é apenas o nosso peito triste que o
cria, que o teme. É sempre difícil sair da nossa área de conforto e encarar o
outro tal como ele é e não como o queremos consonante com a nossa maneira de
ser. Acreditamos que é aí que está a paz e a felicidade e continuamos em
crescente na nossa guerra. Mas o outro, será sempre o outro por mais que nos
estime, admire, ame, não é um reflexo, uma extensão de nós, do nosso querer.
Podemos tocar, abraçar. Podemos
dar-lhe o melhor do que somos e esperar não a reciprocidade, mas que continue a
ser a pessoa que é que entrou na nossa vida porque deixámos entrar, que ficou
porque deixámos ficar, não porque nos era um ideal mas porque era alguém que de
alguma forma acrescentava algo em nós, que nos permitia ver algo que sozinhos
não conseguimos ver. Porque nos fez sentir algo que sozinhos não conseguimos
sentir. E por isso, nem que seja só por isso, ficamos gratos. Por esse encontro
que podia nunca ter acontecido. Afinal há centenas, milhares de pessoas com
quem nos cruzamos em toda a nossa vida, que bom que é que exista alguma que nos
toca e que tocamos, ainda que por momentos, que podem durar meses, anos,
quiçá, o resto da nossa vida em que lhe damos algo de nós e recebemos algo de si. Pode
ser eterno num limite de tempo, mas pela intensidade, conquista dentro de nós a verdadeira eternidade. Depois, que importa o depois, não vamos tornar a primavera em gélido
inverno, não vamos acrescentar espinhos às flores só porque nos perecem os
amores, porque se afastam as amizades. São belos todos os momentos, magníficos
e devem ser vividos como se não houvesse amanhã. E se o amanhã vier, será mais
um feliz hoje. Se no entretanto, numa qualquer curva do destino, nos
desencontramos, que nos fiquem motivos, muitos..., para guardar como semente para
a próxima primavera, talvez assim ela volte de novo a florir e a ser a mais bela e
perfumada que não se deixou afogar na dor, que não se prendeu à saudade e
que teve a coragem de abrir as pétalas ao futuro. O futuro que será sempre,
sempre, não o que quisermos, o que idealizarmos, imaginarmos, sonharmos, mas
unicamente o que nele somos de luminosidade, ou de penumbra. Por isso, se esperares,
espera com um sorriso. Se lutares, luta com fé. Se encontrares, aprecia cada
momento. Se perderes algo ou alguém, acredita que nunca será uma perda, mas
antes o ganhar de uma nova oportunidade para recomeçar, para fazer melhor, com
mais maturidade, com mais amor para dar e para saber receber.