(Ana
Clara), não é esse exactamente o meu nome, mas durante muitos anos saboreei-o,
escutei-o da boca da minha prima, nunca mais o ouvirei da sua voz que foi repentinamente
silenciada pela foice contundente do intemporal. Parece foi hoje, que ainda a escuto,
de vez em quando dentro da lembrança, “Ana Clara, que vive escondida na sua
penumbra, eu sei, ai como sei a luz que te brilha no peito mas que fechas no
olhar”, e eu sorria, bem, nem chegava a ser um sorriso o que lhe oferecia com
enorme constrangimento, era mais o desenho de uma linha tosca no rosto de
expressões fugidias.
Descobri
muito cedo que um sorriso pode ser a resposta para tudo, para o que se diz e
sobretudo para o que se cala. E eu calava, calava, porque, talvez, não o
conseguisse falar, ou por achar que ninguém me queria escutar. “Ana Clara”,
quem me dera ser ‘clara’, de ser um sol que consegue brilhar sem medo de ser
demasiado luminosa, demasiado reveladora, do eu interior, esse que pouco
importa aos outros.
Não,
não me imaginem escabrosa de pensamentos ou desejos pecaminosos, de ideias
proibidas, de actos vergonhosos, era apenas, tão ternamente e ingenuamente, infantil.
Mas
receava o choque de uma alma desnudada e ávida por se anunciar um ser capaz de
voar, de sonhar sem temer o sonho. Ansiosa por gritar a plenos pulmões os
ideais, as formas, os horizontes infinitos de afectos. Mas quem, quem parava um
segundo para me ver, escutar, ler, para caminhar em passo pequeno, porque eu
era ainda pequena, ainda que grande, demasiado grande para caber na intensidade
do meu coração, então extravasava dele, e escrevia, escrevia, rios de tinta,
mares do meu estranho e alegre descontentamento.
Porque
na dissonância dos passos, na desarmonia dos sentimentos, por impossível que possa parecer, consegue-se
ser feliz.
No
meu mundo exclusivo, de espaços serenos, nos meus lugares secretos, escondia-me
das guerras exteriores e era, sem o saber, imensamente feliz.
“Ana
Clara”, tenho saudades de te ouvir chamar-me assim, porque na verdade, os anos,
escureceram-me e hoje a penumbra tornou-se numa agradável companhia. De vez em
quando ainda perscruto um raio de sol a espreitar-me de mansinho nas janelas do
olhar, ainda descubro no risco informe do sorriso, um sopro de luminosidade
emergente e sinto, por um instante que seja, sinto que sou a Ana Clara que
resgatavas dos labirintos do meu viver.
Também
eu gostava de te chamar “Ana Clara” mas temo que não me escutes, por isso
fica-me a esperança cada vez mais ténue de que um dia me ilumines com a luz que
só tu possuis, mesmo que o não saibas, porque sem saberes tu foste para mim a
claridade mais resplandecente de um universo a que me era débil de luz e de
amor.
Farias
anos hoje, ou melhor, continuas a fazer anos nesta data, porque as velas do teu
bolo de aniversário continuam acesas na minha lembrança.