Era uma casa cheia de vida, de pessoas, de crianças, de
vozes, de risos, de nomes gritados por entres as paredes, por entre as portas.
Era uma casa cheia de passos quase sempre em corrida, de brincadeiras, algumas
choradeiras, birras, cheias de palavras de amor, de carinho por entre ralhetes,
faz parte de uma família.
Era uma casa cheia de luz, de um eterno verão, de janelas
abertas mesmo no inverno, era uma casa cheia de livros, de cadernos espalhados
pelas mesas, alguns pelo chão, “foi o gato à guerra com o cão”, desculpavam-se.
Era uma casa cheia de aromas que vinham da cozinha com
tachos a fumegar, da colónia das crianças, de aftershave, de perfume de mulher,
de comida granulada do cão, de patê para gato.
Era uma casa cheia de animação, de música, a de cada um,
entoando em uníssono ritmos diferentes, de filmes passados na televisão, de
histórias lidas à lareira, de jogos de tabuleiro, de cartas de jogar.
De repente, o silêncio, “os passarinhos voaram do ninho”,
dizias com um sorriso nos lábios e uma lágrima escondida no canto dos olhos, “eles
voltam, voltam sempre” respondia para te consolar, para me consular. E
voltaram, só que, cada vez menos vezes, todos os fins-de-semana, depois todos
os meses, nos aniversários e no Natal, quando a mãe partiu, partiram eles
também, “de vez”. Passou a ser a “visita” apenas das suas vozes pelo telefone.
E eu, que sorria, deixei de sorrir, deixei de esconder a
lágrima, afinal, pelo telefone, já não é preciso esconder a saudade.
Nesta casa vazia, sem passos, sem correrias, sem luz, sem
calor, sem animação, sem livros, sem aromas, até sem gato e sem cão. Nesta casa
sem amor, sem família, sem som algum que não seja a minha voz, vou falando apenas
com as sombras.
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