Num destes domingos soalheiros, fui até ao Parque das Nações. Cruzei-me com tantos rostos, tantas vidas, sabe-se lá como são sentidas. Diminuí a marcha dos meus passos para não chocar com alguém que caminhava devagar. Demasiado devagar, como se fizesse um esforço para continuar a sua caminhada. Quis adivinhar-lhe o sentir, estaria doente do corpo, da alma? Caminhava como se nada fizesse sentido, o olhar perdido navegava nas águas serenas do rio. Segui-lhe o olhar, um pato deambulava, também ele sem destino, também ele sem um propósito. E ela ficou a observá-lo sem se aperceber do tempo que corria à sua volta. De repente o pato mergulhou, o tempo foi passando e ele sem aparecer à superfície, como se tivesse sucumbido. O rosto dela entristeceu-se como se o seu sentir tivesse sucumbido com ele, de amargura, de ansiedade, num crescendo de tristeza que talvez fosse já, de saudade. Porque aquele pequeno ser de alguma forma a tocou. Talvez num momento em que alguma velha dor, quem sabe um antigo tormento a visitava de novo. Porque a placidez das águas por vezes desenha formas, rostos, reflexos desfocados do passado que teima em surgir na memória do olhar.
Porque os seus pensamentos que deambulavam perdidos, que quase quiseram chorar a lembrança passada, foram aprisionados pela visão da pequena ave, que, por um instante, lhe ofereceu uma terna distração que lhe desviou o desgosto do coração. Por isso o esperava ansiosa, por isso desesperava desse vazio em que de novo ficou. E o rio voltou a desenhar no seu reflexo esboços das suas mágoas. Mas eis que ele regressa, eis que lhe traz de novo a vontade de sonhar, o desejo de o seguir com o sorriso, com a esperança. Se ele soubesse, a importância da sua existência na vida dela. Se ele soubesse que nesse domingo quando o sol já quase adormecia, a fez sentir, quem sabe, uma ínfima possibilidade de voltar a descobrir um sentido, para no horizonte passear de novo o seu olhar. E no meu domingo, deixou uma história. Uma história que não foi contada, talvez sentida ou intuída, como se fosse, talvez, a minha...