Esquecidos não são os que se esquecem das coisas, mas os que
não são lembrados. A memória tem dessas coisas, lembra quem quer lembrar sem
razões para isso evocar.
Chamar-lhe-ia um acto de egoísmo se não fosse saber
que é apenas um acto do cérebro que, de forma voluntária ou involuntária
resolveu simplesmente, esquecer!
Esquece o passado, que apaga o presente e que nos rouba os
planos para o futuro. E no entanto cruzamo-nos uns com os outros, até sabemos
cada nome sem conhecer o conteúdo desse nome.
Talvez algo nos leve a pensar que são apenas letras roubadas ao alfabeto, mas não, são muito mais que isso, são um caminho que fizemos juntos, e depois ainda
dizem que não tenho sentido de orientação, os outros têm esse gps interior que
os leva a todo o lado, a grande questão é querer, é lembrar do que nos foi
comum.
Talvez seja culpa de quem foi esquecido por nunca se fazer
lembrado, por já não oferecer risos, por não partilhar emoções, eramos tão
somente a voz calada, obediente e boa ouvinte e o quase silêncio só de vez em
quando interrompido – Olhe, tem um comprimido para a gripe? E eu tinha ou ia
rapidamente comprá-lo.
Alguma vez me perguntou se eu estava bem? Não me recordo,
não por me ter esquecido, mas apenas por ter sido mais uma vez esquecida.
Tanto esquecimento assim junto, faz-me duvidar de tudo e já
me pergunto se o que aconteceu terá mesmo acontecido.
Será que fui eu que lhe
pedi um comprimido para a gripe, será que foi ele quem foi rapidamente à
farmácia comprá-lo?
Não claro que não, aconteceu tal como me lembro. Tal como me
ficou na memória, com amizade, algo que se vai diluindo, porque também o
cérebro, esse guardião das lembranças boas e más, precisa de espaço para
guardar novas e apagar as antigas, as sem valor.
Cresce-me alguma tristeza, que só não me entristece mais,
porque sei que algures pelo caminho, também essa tristeza vou esquecer.