sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Imprevistos

O imprevisto acontece,
Quando dia nos amanhece.
De repente um trambolhão,
E ficamos estendidos no chão.

Com o corpo todo dorido,
Com o orgulho quase ferido.
Depois é ver qual o estrago,
Quando o susto ainda é vago.

Nódoas negras, quiçá arranhões,
Com sorte na roupa alguns rasgões.
Talvez passe só  com um beijinho,
Ou não baste esse gesto de carinho.

Desinfectante ou até alguns pontos,
Que nos deixam de dor meio tontos.
Mas a situação pode ainda ser pior,
E temos que recorrer ao Sr. Doutor.

Para engessar-nos a alma magoada,
Cozer-nos a existência envergonhada.
Sem desanimar só por um imprevisto,
Quando viver é um maravilhoso risco.


quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Post.it: Sempre com eles

Viver significa caminhar em frente enquanto outros ficam para trás ou desencontram-se da nossa direcção. Ficam ou vão, nós prosseguimos sem eles, outras vezes com eles, na memória, no coração. 
Uns amamos, outros apenas pouco mais conhecemos que o rosto, o nome, desconhecemos a sua história, a sua experiência de vida, as suas alegrias, as suas tristezas, de onde vêm, como aqui chegaram, mas mesmo esses, ao partirem, doem-nos algures no corpo.
Como se de alguma forma fizessem parte de nós e fazem, fizeram-nos rir, chorar, escreveram ou representaram papeis que marcaram os nossos momentos, cruzaram-se com os nossos dias, na paragem do autocarro, no café, no cabeleireiro, eram a caixa do supermercado onde vamos todas as semanas, estavam na papelaria onde vamos buscar o jornal, na padaria onde compramos o pão, algures num ponto de intersecção do nosso caminho.
Amigos, colegas, professores, vizinhos, conhecidos, desconhecidos, todos, tantos… 
Doem-nos, talvez porque partem demasiado cedo ou porque já os “conhecemos” há tanto tempo que criaram raízes na nossa história. Talvez pela forma como lhes “roubam” a vida, porque deixam de ilustrar a rotina da cada manhã, de cada anoitecer ou no fundo, num inconfessado sentimento; doem-nos porque de alguma forma nos relembram da nossa própria precariedade.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Post.it: Mar de agosto

O mar de agosto tem uma cor diferente, nuns sítios mais azul celeste, noutros mais verde prado. O seu ondular, também ele é diferente, mais harmonioso, mais doce leito. E o seu murmurar, único, especial,  mais cantante, mais relaxante. 
Não há mar como o de agosto que se estende num abraço pela praia, que lhe acaricia o areal, que lhe leva presentes; conchinhas, pedrinhas bem redondinhas. E à noite sob a luz do luar oferece-lhe estrelas que espelha nas suas águas só para a enfeitar. 
Até as vagas que conduzem os barcos aos cais são menos cavadas, menos apressadas, há que levar todos ao seu destino, na esperança que regressem com saudade deste mar, deste amar doce e sereno. 
O mar de agosto é uma festa de sons vibrantes, cores dançantes, os convidados vão chegando juntando-se à comemoração estival. Já se sente a brisa marítima, já se ouve o eco das falésias, o rumor amante das dunas, os ramos das árvores na orla da praia, o tilintar das conchas que vão indo e vindo com o embalo das ondas. 
Aqui e ali, há um salpico de gente, alegre, contente, suspiram como se quisessem levar nos pulmões esse mar, esse calor, essa paz, essa harmonia, esse mar que só agosto tem.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Uma pena

Era uma pena pousada,
Na ondulância do mar.
Era uma pena cansada,
De há tanto tempo voar.

Era uma pena calada,
Com uma história para contar.
Talvez amarga ou deslumbrada,
Do que um dia chegou a sonhar.

E a gaivota que a pena perdeu,
E a gaivota que sem ela existe.
Quem sabe já a esqueceu,
Deixando-a ainda mais triste.

Era apenas uma pena perdida.
Uma pena e  mais nada.
Ficou uma memória querida,
Dentro da minha alma fascinada.


sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Post.it: Solidão

O meu amanhecer é à noite, quando só as estrelas me olham e partilham comigo esse olhar de quem tem tempo para ficar, de quem tem tempo para brilhar. Então, a  lua parece sorrir-me, um sorriso de quem entende, um sorriso de quem se estende em neblinas de escuridão, em névoas de solidão.
A solidão, pobre palavra tão maltratada, tão dolorosamente magoada, porque dói, dizem. Porque mata, defendem. Mentira! Mentira, garanto-vos. Como é terna a solidão, quando o seu silêncio nos envolve no mais doce abraço.
Então o corpo dolente de tempos idos, deixa-se navegar nos pensamentos, longe, cada vez mais longe dos lamentos. Dando-se ao luxo de sentir. De se sentir invadido por uma paz conciliadora dos sentidos, como quando a alma e o espírito se casam e prometem ser felizes para sempre. 
Num para sempre, que dura… O que durar. Mas enquanto dura, permite-nos num vislumbre de felicidade, contemplar o infinito. Esse finito que agora, liberto dos limites do horizonte espraia-se para além do existir condensado em nós. E nós, os que reverenciam a noite como se nos fosse madrugada, tornamo-nos estrelas, solar de lua, luminosa escuridão e agradecemos cada sensação que só o silêncio, que só a solidão consegue ouvir com o coração…

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Férias e mar

Depois de muitos passos dados,
De tantas viagens de encantar,
Acabamos de olhos mergulhados,
No mais sereno azul do mar.

Como se nos fosse morada,
Leito de sonhos perdidos.
Vida que a ele confessada,
Nos deixa menos feridos.

Mas férias devem ser alegria,
Paz, desordem, libertação.
Cumprir a velha fantasia,
De agir só pelo coração.

Mas o mar, o mar já chama,
Para um abraço de regresso.
Naquele silêncio que reclama,
Toda a atenção do universo.

Pergunto, quanto de mim há nele,
Escondido na sua transparência?
Como se me fosse segunda pele,
Na mais sublime e terna inocência.

Nado, afasto-me da orla do cais,
Torno-me em si uma pequena ilha.
Onde deflagram os grandes vendavais,
Do oceânico pai com as marés da filha.