terça-feira, 26 de abril de 2016

Post.it: Sempre que houver amanhã

Nem sempre é esquecimento, mas sim um adiamento, é verdade que por vezes, infinito. Mas está lá, algures em nós, na promessa que fazemos aos outros e que nos repetimos. Porque não cumprimos? Cumprimos, a verdade é que cumprimos sempre, um dia, naquele dia, inadiável em que nada, mas mesmo nada nos impede de o cumprir. Antes que seja tarde, às vezes tarde demais para chegarmos e nos unirmos naquele abraço que sentimos vontade de dar e necessidade afectuosa de receber.
Contamos com ele, firme, apertado, caloroso, que nos ampara, mesmo quando só queremos amparar o outro. Continuamos a arruma-lo nas margens do tempo como se o tempo nos fosse eterno.
Sabemos que o sentimento é inabalável, que não sucumbe às intempéries. Está lá, perdoando o esquecimento, a ausência, o silêncio. Mas tudo isto é egoísmo da nossa parte, porque acreditamos que podemos sempre voltar com o mesmo sorriso e não perceber que do outro lado o sorriso mudou.
Sim, mudou, não por ressentimento, mas porque os rios já passaram vezes sem conta por debaixo daquela ponte, já  a erosão dos ventos lhe esbateram os traços ternos a que nos habituamos. E a grande mágoa sua e nossa é que não estivemos lá, para partilhar, para amparar.
De repente, percebemos, que outra história foi escrita e nós desconhecemos-lhe o conteúdo dos seus capítulos.
E compreendemos  que o que fomos, já não somos, já não seremos.
E agora? Não sei, responde-me confusa a consciência.
Vamos recomeçar, diz-me o coração. Desta vez, prometo que não vou esquecer, que vou estar sempre aqui. Talvez, nem sempre.
Mas quase, quase, sempre quando a saudade, a vontade de partilhar, de revelar, de não conter a tristeza, de desabafar uma mágoa, de compartilhar a alegria. 
Sempre, mas mesmo sempre que a felicidade nos reencontrar.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Post.it: A revolução dos Cravos

Foi uma Revolução de cravos, porque se calaram as armas, porque se emudeceram as revoltas, porque se ergueram os braços para festejar a vitória e se acenaram flores. 
Porque se atiraram pétalas de esperança numa primavera que renasceu, livre para florir palavras sem medo. 
Porque o vermelho agitou-se nas mãos e não era sangue, mas como ele significava vida, vibrante e renovada. 
Recordada em cada recordação do ontem  um novo sol brilhava em cada rosto de expectativa e de confiança. Afinal “foram anos a esperar por um só dia”, até encontrar “em cada esquina um amigo”,  “em cada rosto igualdade”. 
Entretanto, continuamos a celebrar, embora, cada vez menos a recordar, porque cada geração que nasce, nasce em liberdade e longe da sua ideia está qualquer forma de repressão. E mesmo aqueles que olham para o hoje e sobretudo para o amanhã com olhar crítico e magoado, não lhe é tirada a razão mas cada momento histórico tem os seus dissabores, comparar o passado com o presente é relativizar a luta de quem sofreu o peso constante de uma ditadura e que se libertou pela força da união. 
Há quem diga que devia acontecer uma nova revolução, prefiro pensar que o que necessitamos é de uma nova união. Talvez seja preciso colher todas as flores da primavera não para aplacar as armas mas para apaziguar os corações que se sentem traídos nos seus ideais de Abril. 
E para que estes ideais não esmoreçam vamos construir em Abril a continuidade auspiciosa de cada mês, de cada dia em que vejamos nos outros o reflexo do nosso sorriso na oferta generosa do seu. 
Para que os cravos de Abril de 1974 continuem acenando objectivos conquistados, na certeza de que vão ser eternos na primavera de cada vida que nasce e cresce livre para ser Feliz...




terça-feira, 19 de abril de 2016

Quando eu nasci

Quando eu nasci o sol brilhou,
A lua ofereceu o seu maior luar.
No céu o número de estrelas aumentou,
E o mar fez cada onda o dia embalar.

Quando eu nasci os ventos cantaram,
As árvores em abraços dançaram.
Os pássaros por instantes não voaram,
E os rios em suspense quase pararam.

Quando eu nasci já o verão se despedia,
E a suave manhã começara a despontar.
Cada pessoa olhava para a outra e sorria,
Das nuvens nem uma gota se queria soltar.

E mesmo com a minha mãe meio a chorar,
Pela tristeza de eu não ter nascido rapaz.
Senti que havia algum amor a me rodear,
E que no meu crescer teria harmonia e paz.

Tudo isto aconteceu no dia em que eu nasci,
E embora não tenha sido pelo meu nascimento.
Ao mundo com gratidão eternamente agradeci, 
Por ao nascer me dar o seu mais belo momento.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Post.it: Relações

Quando olhamos para lá do olhar. Quando ouvimos para lá das palavras. Quando sentimos mesmo que à margem do toque. Quando compreendemos para lá da frase. Quando inspiramos a tristeza calada. Quando devolvemos a dor curada. Quando somos nós para os outros. Quando sentimos os outros em nós. 
 Somos por fim vida, plena, inteira, cumprida, vivida, sem fugas, suplantando medos, abrindo o peito aos perigos e vencendo-os. Nem sempre é fácil, por vezes é mesmo muito difícil. É preciso fazer silêncio, quando por dentro tudo nos grita tempestades que nos naufragam os sonhos. 
Mas também há faróis, jangadas de esperança desbravando caminhos marítimos nos nossos desertos de ânimo. Porque as forças humanas se revelam nos momentos certos sobre humana, e o animal feroz que nos quer devorar, lambe-nos a feridas, aconchega-nos do frio. 
Somos nós células que nos percorrem com pressa simplesmente de fazer a cíclica viagem, porque não há saída. E mesmo assim, não há repetição, cada caminho, sempre o mesmo, aparentemente igual é eternamente diferente. 
Porque o olhar olhou, porque as palavras ganharam sentido, porque o toque, sem tocar sentiu-se tocado. Porque cada frase criou o diálogo. Porque a tristeza se alegrou e a dor saiu definitivamente de cada molécula magoada. 
Assim se estabelece uma relação: de amizade, de amor, ou do simples desconhecido que se torna agora conhecido.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Post.it: Silêncio

Silêncio, adoro escutar-te, nesse vazio preenchido de rubor solar, de horizontes de azul e verde. Gosto até mesmo das cores da cidade, das gentes, quando as observo por detrás da vidraça, em silêncio. 
Esse silêncio que adoro abraçar quando ele me desperta dos sonhos com a suavidade de um quase beijo. Não chego a aborrecer-me por me roubar à delicia dos sonhos, mesmo dos mais belos, avassaladores, das aventuras em que corro, voo, até das quedas que não chegam a doer nem a gemer, porque estás lá, silêncio, enchendo de ti cada recanto desse mágico encanto. 
Despertar contigo é continuar essa ventura, sinto-te no calor do leito, vejo-te na luz amena que entra pelas frinchas da janela e inunda as paredes do meu quarto sem me ferir o olhar. Peço ao relógio que cale o seu tic tac, que a terra suspenda o seu girar, por um instante, apenas um instante, para prolongar a brandura deste silêncio. Tão curto no tempo do tempo, tão eterno na sensação do sentir. 
 Não tarda, o bulício de mil despertares vão irromper pela madrugada, com vozes de impaciência, então ressoam motores famintos de combustível, entoam buzinas no alarido de frenesim, chiam travões buliçosos, saltos de sapatos magoam a calçada na sua pressa desassossegada, cães ladrando na excitação de tanta confusão que festejam sem entender o motivo, enquanto os pássaros mais afoitos tentam sobrepor o seu canto ao desencanto social que o quer sufocar. Num hiato de silêncio, pasmo, na indiferença de uns, no alheamento de um som, uma quase melodia. É um grilo, grita feliz uma criança. Sim é um grilo que dá o seu último trinado noturno,  confundido, talvez com a rápida invasão do sol que lhe roubou a protetora escuridão quando ele tímido na sua figura minúscula, tentava encantar a lua com uma serenata de um amor improvável. 
Silêncio onde tens morada? Nas bocas caladas, cujos pensamentos em ebulição ameaçam alagar as vozes? Nos olhos fechados que se recusam a verter mais alguma lágrima que ameaça banhar o rosto? No sorriso que esconde retraidamente a mais profunda e verdadeira gargalhada de felicidade? 
Não, não é esse silêncio que busco, esse silêncio magoado, esse silêncio aprisionado. Quero-o livre, esvoaçante, leve. O silêncio escolhido, amado. O silêncio que nos enche de paz, tranquilidade, que nos aquieta a alma, que nos aconchega as emoções. Que vence o barulho numa guerra em que o derrotado celebra também ele a vitória do vencedor. Porque também ele quer o silêncio aquietando-lhe a intempéries das citadinas horas. 
Quem não o quer? Todos, suponho, até mesmo aqueles que o negam por medo de se “viciarem” na harmonia da sua existência.



sexta-feira, 8 de abril de 2016

Sempre flores

Que a vida seja presente,
Para a todos oferecer.
Que o amor não seja ausente,
De todo o meu viver.

Que encontre sempre flores,
No jardim de cada dia.
Mesmo com picos e dores,
Que se tornem em alegria.

E cada passo que já foi dado,
E cada passo ainda por dar.
Me faça ultrapassar o cansaço,
Para continuar a caminhar.

E se um dia a solidão,
Me vier fazer companhia.
Vou recebe-la no coração,
Vou embala-la na maresia.

Porque cada gota de água,
Merece encontrar o mar.
Porque cada simples mágoa,
Merece tornar-se sonhar.



terça-feira, 5 de abril de 2016

Post.it: I'm sorry

“Que diz o teu olhar?” Pergunta o locutor de um programa de televisão. O meu olhar diz tanta coisa que não há palavra suficientes para o relatar, talvez, por isso responde o silêncio, só ele pode em alguns momentos dizer fielmente o que vai no meu olhar.
“Alguém te deve um pedido de desculpa?” Mais uma pergunta que me faço e confirmo que sim, devem-me alguns pedidos de desculpa e que neste caso, sobretudo neste, o silêncio nunca é resposta, ou melhor, a resposta que gostaria de obter. Porque o silêncio é sempre uma resposta, nem que seja aquela que não queremos receber. Mas voltando à questão, “devem-me um pedido de desculpa?” Sim. Mas nunca o vou receber. Porquê? Porque para haver esse pedido, teria de haver reconhecimento de que se errou e isso é algo que nem todas as pessoas têm a coragem de admitir.
Se devo um pedido de desculpa a alguém? Não sei, penso que não, tento que não.
Pedir desculpa não é necessariamente mudar a nossa opinião, mas obriga a uma mudança de atitude. “Não temos que dizer tudo o que nos vai na alma mas somente o que é necessário”. Não temos dizer algo como se fossemos arremessar pedras, quando em vez disso, elas podem ser colocadas uma a uma com prudência para formar um suave caminho. Pedir desculpa é a maior prova de respeito e de consideração para com o outro, esse que estimamos e não queremos em momento algum ser a causa da sua mágoa. Para que o lugar da amizade, do afecto não seja ocupado por dor e ressentimento, quando basta um pedido de desculpa sincero para tornar alguém feliz e ser ponto de reencontro.
Quando era jovem achava que tinha de me afirmar, de mostrar que tinha opinião. Ser quem era,  com algum menosprezo, alguma insensibilidade para com os outros, confesso. Hoje, como é bom “envelhecer”, amadurecer, crescer e perceber que só ganho na medida em que não perco, sobretudo os amigos. Percebi que não havia razão para me impor e que era muito mais agradável caminhar lado a lado, cada um com a sua maneira de ser conciliada.
Somos humanos, erramos, talvez não pela forma como somos mas por aquela em que  usando a nossa possibilidade de escolha, da melhor ou da pior forma, agimos.


sexta-feira, 1 de abril de 2016

Post.it: Tempo de esperança

“O tempo não descansa”. Talvez sejamos nós que o cansamos na azáfama em que o fazemos andar. Umas vezes a correr, outras, sem quereremos andar. 
Só o tempo nos impulsiona a erguer, a caminhar. Companheiro silencioso, complacente e bom ouvinte, generoso amigo, sempre presente para nós. Mas também gritante de forças e argumentos que ouvimos sem querer ouvir, mas temos de lhe dar razão, afinal o que andamos a fazer com o tempo? Com o nosso tempo! 
Ele “não rola ociosamente pelos sentidos” nunca há um tempo perdido mesmo até aquele que sentimos como não vivido, aquele que não faz para nós sentido, ele existe, está lá, sombra e conteúdo que nos transita pelas células da nossa existência. 
Como se nos fosse uma história de encantar, por vezes, uma história de chorar, mas rimos, rimos sempre, mais tarde ou mais cedo dessa lágrima perdida, um dia, por certo, esquecida. 
Por essa época quando “o tempo vinha e passava, dia após dia” repetindo gestas, momentos, fracassos, vitórias. E nós crescendo e morrendo, mudávamos,  tornávamo-nos cada vez mais nós, alegres cantantes, eternos sombrios, viajantes. “Faz parte”, habituamo-nos a ouvir, habituamo-nos a sentir, entre a crença e a descrença, nos actos de fé e de ateísmo, faz parte… E isso, somente isso, deixava-nos tranquilos. A culpa era do tempo, infalível, implacável professor de promessas de amor, algumas também de dor. 
 Volto a repetir a voz do senso comum? Não, já sabe o que diz e aquieta-nos. 
Enquanto que o tempo, amigo e vilão da nossa história, “vindo e passando inspira-nos novas esperanças e novas recordações”. 
O tempo, sempre o tempo, o inimigo mais amigo que temos. Queremo-lo todo, perpétuo, rápido para chegar aos bons momentos, demorado para chegar aos maus, duradouro nas coisas maravilhosas, nessas que só o tempo nos oferece. Porque é nele que está tudo, até nós.


(Citações de St. Agostinho em Confissões)