sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Post.it: Não é defeito mas feitio

Gostamos das pessoas tal como são? Não, na verdade, gostamos das pessoas tal como somos. Inconscientemente queremos mudá-las para que se tornem “iguais” as nós, para que nos completem, para que sintamos que nos vão sempre confirmar, apoiar, que são a certeza em quem podemos confiar e que nunca nos vão desiludir.
Claro que os argumentos desta inconsciência manifestam-se de outra forma, afinal, só somos críticos porque “queremos o melhor” para as pessoas de que gostamos. Queremos que andem com roupas apropriadas para não serem gozadas, que tenham atitudes correctas para não serem excluídas. Não é por nós, nunca é, é simplesmente por elas, em última instância pelos outros.
Porque nós que somos amigos, aceitamos cada um como é, nas suas debilidades, nas suas “tolices”, no que afinal não é defeito mas feitio.
Não é isso que deve fazer um amigo? Alertar para possíveis problemas, evitar que se magoem, amparar na queda, curar a ferida com o penso rápido do “eu bem que te avisei”?
A amizade, esse sentimento que gera múltiplas emoções é complexa.
Não é por mal, (acho) somos assim. Entre as boas e as veladas intenções, amamos, mas amamos de verdade. Magoamos, talvez, mas magoamos simplesmente para que não sejam magoados e, simultaneamente, para não nos magoarmos.
E neste estranho jogo psicológico temos amigos, somos amigos. Tentamos ser os melhores amigos e ter os melhores amigos. Aqueles com quem nos identificamos. Aqueles que neles somos.
Mas há um tempo, que nos ensina, que nos adoça, que nos faz perceber o fundamental. E o fundamental não é que se iguala a nós mas o que nos enriquece nem que seja pela diferença. Não há maior elogio do que gostar de alguém por ser como é.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Sei lá...

Se amanhã vai ou não chover,
Sei lá o que escolher para vestir,
Quem sabe se me volto a reerguer,
Se algures no caminho então cair.

Sei lá o que vai acontecer,
Quem vai nascer ou morrer.
De quem me vou despedir,
Quem vou de novo conhecer.

Sei lá se o amanhã haverá,
Se houver o que vou viver.
Se entretanto estiver por cá,
Só então o posso talvez saber.

Só sei que neste momento,
No instante em que estou.
Ao meu viver acrescento,
O que de melhor sei e sou.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Post.it: Projeto

Eu sou aquilo que nunca fui, projeto inacabado de um sonho que alguém sonhou, mas que não aconteceu. Chorem as plantas, os rios, as rochas, por mim que nunca aconteci. Riam os mares, as florestas, as pedras da calçada por mim que existo na curva de uma estrada inacabada.
Quem se esqueceu de escrever o meu destino? Quem desistiu de me desenhar a vida? Quem me roubou os passos antes de os chegar a pousar no chão?
E agora? Que faço com tudo o que trago comigo, este saco  de esperança, esta fé do que ainda posso ser. Só preciso que o sol me brilhe um pouco e que o luar não me apague.
Que as ondas me levem até à costa e que os mares não me afoguem. Só preciso que as flores me encham de primavera e que os espinhos não me magoem. Que as margens do rio me sejam suave companhia sem estreitar ou limitar-me o percurso.
Só preciso de ti para  melhorar  os meus dias mesmo que me escureças as noites. Quero ser o que nunca fui, o sonho progenitor tornado realidade: a filha, a irmã, a mulher, a vida, a célula não degenerada, o ADN imaculado. 
Se há arquitetos no céu, que encontrem as linhas do meu esboço. Se há criadores no universo que  me moldem em verdade, sabedoria e liberdade. Se há energias de atração que me tragam uma simples luz de farol mesmo que sem nele haver um mar. Se há felicidade, que me encontre, espero-a, na morada do meu viver
Se me conceberam como projeto inacabado, que encontre a capacidade, a vontade, a possibilidade de me tornar a concretude nem que seja no corpo de gotas suspensas na curva completa do arco-íris.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Post.it: Horizontes

Há dias em que ao acordar apetece-me continuar a sonhar, a voar na liberdade do azul estrelado. E nesses dias, as paredes parecem-me fronteiras, as portas obstáculos a transpor para chegar mais longe.
Apetece-me caminhar, caminhar sem parar, até à exaustão. Tenho sede de infinito, tenho fome de horizontes. Sinto-me prisioneira na vida, cercada pela morte a minha e a dos outros. Sinto que as constantes rotinas me encarceram, que as obrigações me guilhotinam o ânimo. Então fecho os olhos e permito-me ser livre, permito-me abrir as asas do pensamento e partir à descoberta do sol, não o que brilha resplandecente bem alto no céu, mas o sol que me inebria a alma, que aquece cada célula do meu ser.
De repente, mergulho a pique na corrente do meu sangue e partilho-me com cada globo vermelho deste rio tépido, seguimos na mesma descida, subida, por cada curva abismal.
Numa corrida cheia de perigos, mas também, cheia de esperança, pela certeza de que não há meta mas sempre, continuidade. Uma continuidade que nos fortalece e incentiva a fazer desta viagem a melhor viagem possível. Haverá sempre a seguinte, sim, talvez seja verdade, mas nem por isso nos acomodamos. Temos de tentar que cada uma seja sempre melhor que anterior, mais feliz a cada passo, a cada onda que nos eleva e faz descer.
Depois abro os olhos, saio desse instante de torpor, estou cansada e descansada, sei que fui, sei que voltei, um suspiro solta-se do peito, navega-me até aos lábios e esvoaça, deixo-o partir, não chego a invejá-lo na sua leveza e liberdade. Uma liberdade que também é minha, a cada passo, a cada ideia, cada momento, só meu ou partilhado. 
Percebo então que já não preciso de vastos espaços, de carregar  as malas, de sair, posso simplesmente permanecer, e nessa permanência, encontrar a forma mais elevada de voar a felicidade porque na verdade, só tem paredes quem se aprisiona por elas, quanto a mim, já não “tenho paredes, só tenho horizontes” (M. Quintana)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Ter um amigo

A amizade é um mistério,
Tudo de bom ela contém.
É livre, só tem um critério,
Aos amigos fazer o bem.

Pode estar sempre perto,
Ou do outro lado do mundo.
É quem atravessa um deserto,
E chega até nós num segundo.

A amizade não se conquista,
Ela é muito mais que atitude.
Nasce em quem acredita,
Que a amizade é uma virtude.

Ter um amigo é estar de parabéns,
E quando ele celebra aniversário.
O maior presente és tu que o obtens,
Ao seres da sua amizade beneficiário.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Post.it: Dia mundial do doente

Neste dia mundial do doente, lembramos particularmente os que vivem esta situação. E cresce-nos maior a obrigação de respeitar a saúde. E admirar com profunda gratidão os que se dedicam de alma e coração ao acompanhamento e ao tratamento destes doentes. Quer seja por razões profissionais, quer seja por relações pessoais ou laços familiares,  são pessoas  que na  entrega que devotam aos  mais necessitados
lembram que cada um de “ nós, podemos ser mãos, braços, corações que ajudam…, nós sãos ou doentes podemos oferecer as nossas canseiras e sofrimentos…” , tornando cada momento numa  vida melhor “dando claro testemunho de como é importante tornarmo-nos responsáveis uns pelos outros”. Esse outro, que um dia poderemos ser nós, com as mesmas similares dores e angústias. 
Porque “a doença, sobretudo se grave, põe sempre em crise a existência humana e suscita interrogativos que nos atingem em profundidade. Por vezes, o primeiro momento pode ser de rebelião: Porque havia de acontecer precisamente a mim? Podemos sentir-nos desesperados, pensar que tudo está perdido, que já nada tem sentido…”
“Nestas situações, a fé é posta à prova, por outro lado, revela toda a sua força positiva; e não porque faça desaparecer a doença, a tribulação ou os interrogativos que daí derivam, mas porque nos dá a chave para podermos descobrir o sentido mais profundo daquilo que estamos a  viver.”
Quando falamos de fé, falamos de nós, do que somos, do caminho que nos trouxe até aqui, e do que nos falta percorrer. A fé que nos faz reencontrar as forças para não sucumbir à mágoa, à doença, à revolta dela nos ter atingido. A fé de encontrar respostas no desespero e essas respostas nos iluminarem o olhar, vendo quem sabe, a luz para além da profundidade do nosso túnel de desânimo.
Porque há uma luz, por pequena que inicialmente nos surja, que vai aumentando, quando a aceitamos, quando a abraçamos. Uma luz que pode vir de nós, da nossa esperança. Uma luz que pode vir para nós dos que nos acompanham, nos auxiliam, que tentam minorar, ou até curar a nossa doença.
Para quem está doente, uma palavra de confiança, não desistam de acreditar na vossa fé, em vós e nos que vos amam.
Para quem cuida, toda a gratidão que será sempre pouca, todo o amor nunca será suficiente.
A todos desejo melhoras e para breve o reencontro com a felicidade.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O tempo não passa

Afinal, o tempo não passa,
Não aqui, dentro do peito.
Para felicidade ou desgraça,
Se não corre ao nosso jeito.

E porque o tempo não passa,
No amor que em nós perdura.
Quando na vida nos trespassa,
Aquela doce seta da ternura.

Não há tempo perdido,
Nem tempo para mudar,
O sentimento bem vivido,
Que é o tempo de amar.

Em quanto que no rosto,
Um outro tempo parece falar.
Sem contornos de desgosto,
Mas dos ventos ao soprar.

Se pudesse o tempo rasgar,
Como folha de um calendário.
Para na vida inteira celebrar,
O renascer em cada aniversário.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Post.it: Escrever

Escrever é traduzir para um código convencional, o que vemos, o que sentimos. É plantar nos outros a responsabilidade de se deixar tocar por cada semente de palavras que ecoam dentro do peito. 
Se não germinar, talvez seja culpa de quem escreve por não ter escolhido a melhor forma de oferecer cada partícula do seu sentir. 
Talvez seja culpa de quem lê por não ter em si desperto o código de sensações prontas a reconhecer o outro quando ele se lhe oferece. 
Talvez, não exista uma culpa nem um culpado e simplesmente seja intraduzível o que somos, o que sentimos, a forma como vemos o mundo à nossa volta. 
Talvez seja indizível a emoção que em certos grandes e pequenos momentos nos invade o ser. 
Talvez seja inexprimível o deslumbramento monumental que sentimos perante a mais pequena flor que nasce no solo mais árido e aparentemente do nada. 
Talvez seja inexpressável o momento fugaz em que a felicidade nos enche de plenitude. 
Talvez seja inexplicável a palavra que nos traça um rasto no caminho. Simplesmente, seguimo-lo, na esperança de a encontrar, de a pronunciar, de a viver. E com ela descobrir o sentido que nos faz continuar a escrever.




segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Memórias de petiz

Grandes são as memórias,
Que ainda contam histórias.
De uma vida ainda aprendiz,
Que por ser criança era feliz.

A lembrança das brincadeiras.
Das emoções tão verdadeiras.
Tudo era tão estranhamente belo,
Até o caminhar de raso chinelo.

O passado era tão recente,
O futuro parecia ausente.
Cada dia o simples despertar
Sempre trazia algo para revelar.

Quanto à dor, mas qual dor?
Do arranhão curado com amor?
Lágrimas do rosto a descer?
Que a brisa fazia desaparecer?

As memórias cresceram,
As histórias esmoreceram.
Até o sol pela noite apagado,
Obscureceu o olhar encantado.

Bem que tentou não crescer
Bem que lutou para não perder.
A criança feliz que então era,
Quem lhe roubou a Primavera?