terça-feira, 24 de novembro de 2015

Passos

Quem nos diz de onde vimos,
Para sermos o que somos.
Antes de sermos semente,
Antes de sermos um feto,
Ou caminho de doces afetos.
Quem nos diz por onde seguirmos,
Ou nos revela para onde vamos,
O quanto custa para se ser gente.
Ou para se alcançar um teto,
Num mar de afundados projetos.

E tudo o resto são apenas passos,
E tudo o resto são ávidos desejos,
Pequenos nadas que nos são tudo.
Quando são tudo o que nos resta,
Nesta pretensão de vaga miragem,        
Afinal somos nómadas cansados,
Afinal somos pastores de sonhos,
Tudo o que queremos é o mundo,
Para nele celebrarmos a festa,
Do viver com a nossa coragem.


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Post.it: O nosso mundo

Por vezes o mundo parece-me pequeno, demasiado pequeno, que as fronteiras me sufocam, que aqui e ali me acotovelo com outras nações que passam por mim indiferentes na sua ânsia de chegar a algum lugar mais feliz, mais pacífico, sem guerra, sem fome, sem sonegação dos direitos humanos, sem discriminação das  mulheres, sem xenofobia, sem racismo,  sem politiquices e tudo em nome da democracia, da liberdade, tudo em nome de Deus, um Deus que muda de nome, de valores, de amores e causa tantos, demasiados horrores. 
O passado remoto ou próximo está cheio destas tristes memórias. E o mundo que dantes me parecia enorme, que pouco ou nada sabia dele, que pouco ou nada me tocava, tornou-se minúsculo, tão minúsculo que o que acontece a milhares de quilómetros me entra pela casa adentro, ressoa pelas paredes da sala e o sofá que me era tão confortável torna-se doloroso, de repente, aquelas imagens invadem-me os olhos, espantam-me a boca que não consegue soltar qualquer som, enquanto no cérebro os pensamentos gritam-me não sei que palavras de estranha dor. 
Lá fora continuam os gritos, o terror, o temor, aqui na minha sala, o silêncio questiona tudo, questiona o mundo, incapaz de obter uma resposta pelo sofrer global da humanidade, restam-me as lágrimas as minhas, as vossas; será que Deus poderá alguma vez secá-las? Do rosto sim, mas da alma irremediavelmente ferida pelas vidas violentamente roubadas, nunca.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Post.it: Até um dia...

Há sempre algo que fica por dizer, algo que fica por fazer, mesmo quando achamos que dissemos tudo, que estivemos sempre presentes, que demos tudo o que poderíamos dar. Há sempre algo, e é esse algo que nos dói profundo no peito. É esse algo que nos aumenta a saudade, que nos deixa inquietos, revoltados, até mesmo zangados  com a vida no que ela é de tempo. Afinal bastava, talvez, mais um dia, aquele em que poderíamos ter feito o que ficou por fazer. Bastava aquele abraço, aquele adeus que acabámos por não dar. Mas a verdade é que mais um dia, um mês, um ano, qualquer tempo, nunca chegaria, porque temos sempre muito mais para dar.
Perante aqueles que amamos, o que temos para dar em termos de amizade e de carinho, nunca se esgota. E depois, passe o tempo que passar, mesmo quando sabemos que cada momento pode ser de quase partida, nunca lhe poderemos dizer adeus. Riscámos essa palavra do nosso dicionário de existência, apagámo-la do nosso coração a partir do momento em que abrimos a porta a essa pessoa, ela entrou e nele permaneceu e permanecerá.
Querida professora, as suas aulas não foram somente lições de filosofia, foram sobretudo lições de vida e houve uma frase, entre muitas outras, que me disse num dia particularmente difícil, e que ainda hoje quando necessito, a ela recorro “Lembre-se de esquecer”.
Eu tento, tento esquecer tudo o que me magoa, mas nunca esquecerei o que me fez feliz, nem as pessoas que para isso contribuíram e nas quais a incluo. Admirei sempre a sua atitude de coragem, “ o que não podemos curar devemos suportar”. Ambas sempre fomos Kantianas por isso despeço-me com uma frase desse filósofo, para atenuar a mágoa do caminho. “Se vale a pena viver e se a morte faz parte da vida, então, morrer também vale a pena” e nesta fé, despeço-me  até um dia, para então, retomarmos as nossas conversas filosóficas.


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Post.it: Liberdade

Liberdade, o maior bem que a vida nos dá. Uma liberdade que nasce connosco, que nos é inata, que nos é inerente ao processo natural de crescer. Uma liberdade vivida, sentida com todos os sentidos.
Uma liberdade que nos abre janelas quando encontramos as portas fechadas. Que nos permite ver o horizonte por entre as frestas das montanhas. A liberdade de navegar mesmo que tenhamos de remar contra a maré. De caminhar de atingir metas, mesmo que tenhamos que ir a pé. A liberdade de voar com o peito aberto aos desafios, mesmo que nos cortem as asas.
Sim, somos livres, apesar de todas as prisões, de todas as limitações. De todas as restrições sociais, das determinações culturais, das delineações políticas. Somos livres, apesar de todas as fronteiras naturais e humanas. E a nossa liberdade acontece a cada passo que damos, quando optamos por seguir esse destino. Acontece sempre que dizemos sim à justiça, sempre que negamos o preconceito, sempre que abrimos os braços e abraçamos uma causa em defesa do bem comum, em prole da felicidade.
Temos a liberdade de ficar, de partir, de chorar, de rir. Temos a liberdade de acreditar, temos a liberdade de ser o que somos.
Mas se nos roubarem a liberdade de existir, de escolher, de lutar, de vencer. Nós, humanidade nunca desistimos, enquanto tivermos, a liberdade de desejar.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A vida tem dias...

Feita por vezes de uma alegria,
Que parece que não se gasta.
Outras vezes é-nos água fria,
Que nos magoa e desgasta.

Tem dias que nos acorda luzindo,
Com sol por dentro e por fora.
Tem dias que lá vamos iludindo,
Para que de nós não se vá embora.

Mas depois há aquele sorriso,
Mas depois há aquele abraço,
Que nos eleva ao doce paraíso,
Que afasta de nós o cansaço.

E aos dias que são de pranto,
E aos dias vazios e sem calor.
Outros há que são de encanto,
Muitos há que são de amor.

Na vida todos os dias são novidade,
Entre momentos alegres e tristonhos.
Por vezes vislumbramos a felicidade, 
Nem que seja no mundo de sonhos.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Post.it: Ainda ontem...

Ainda ontem tinha 18 anos, o rosto resplandecente de sorrisos, os cabelos castanhos de seara ao vento. Subia as montanhas em corrida, saltava riachos, subia às arvores mais altas sem medo da queda. O tempo era lento demais para os meus passos e as estradas as únicas decisões difíceis de tomar.
Ainda ontem tinha 18 anos, não tinha cansaço de tudo, as letras não me fugiam dos olhos, os ossos não me doíam no final do dia, os cabelos não se tornavam veios brancos aumentando e conquistando espaço numa luta desigual com os escuros que vão pacificamente aceitando a derrota. Os pensamentos não me magoavam, os sonhos ainda se concretizavam sem se tornarem bolas de sabão explodindo antes mesmo de adquirirem contornos palpáveis.
Ainda ontem tenho 18 anos olhava os rostos conhecidos com expectante angustia por os ver a mudar, a murchar nos sulcos marcantes de cada dia, por olhar para olhos que empalideciam, por lhes notar os sorrisos cada vez mais retraídos, as mãos que já não apertam com a mesma força de esperança que antes lhes conheci.
De repente olhei-me no espelho, espantei-me, esses rostos eram em tudo o meu.
Ainda ontem tinha 18 anos, corria, caia, levantava-me, sorria e seguia, como se nada importasse, com se nada me atingisse, sentia-me heroína e escritora da minha própria história. 
Ainda ontem tinha 18 anos, amava, chorava, conquistava, era feliz, tão feliz e não o sabia. 
Tu, que te estreias agora nos 18 anos, parabéns e peço-te nunca os percas, guarda-os no peito como se fosse (e é) o mais doce tesouro que temos na vida, vive-os com o sentido de eternidade, de lealdade, de vontade, de liberdade para que, daqui a alguns anos os sintas ainda em ti, como felicidade e não com resignada saudade.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Post.it: Cada vez mais distante

- Como está o nosso amigo? 
- Cada dia mais distante. 
À velha e eterna questão que leva a vida para o seu final, nunca me tinham respondido assim, com tal serenidade, a quietação de quem aceita a partida ou com tranquilidade por quem parte. 
Um tema que a todos parece assustar de uma ou de outra forma, dito desta maneira, sentido assim, tudo suaviza, pacifica, concilia com a sensação leve de viagem. É certo que sempre foi um caminho, um percurso individual mesmo quando colectivo porque é de todos, um percurso de altos e baixos, de curvas e contracurvas. 
Mas dizerem isto assim, deu-me outra consciência, a plena noção de que não tem de ser necessariamente mau, doloroso, angustiante. Que não temos que ficar vazios dos outros, quando afinal fomos por eles tão preenchidos. 
Como quem agarra uma onda, aprisiona-a na mão fechada, vê-a, sente-a a escoar-se por entre os dedos, não morre, simplesmente fica de nós cada dia mais distante. 
É a transição do que somos, o aqui e ali onde paramos, ficamos, dando, partilhando e depois seguimos viagem. 
Há quem tenha uma meta e a persiga na tentativa de a tocar. Há quem simplesmente prefira o viver, no prazer da viagem sem projectar mais além o objectivo de chegar porque sempre acabamos por chegar a um tempo, a um lugar. O enigma torna-se a grande e por vezes maravilhosa surpresa da passagem por locais, pessoas, a incógnita das vivências que todos nós conhecemos em qualquer momento da vida. 
Partimos? Acredito, ou melhor preciso de acreditar que não, só se nos esquecermos, só se formos esquecidos, só vamos ficando cada vez mais distantes…