segunda-feira, 29 de junho de 2015

Santos da casa

Santos da casa não fazem milagres
Mas a esperança não pode acabar.
Quem sabe um dia mudem os ares,
E um coração venha aqui aportar.

Se S. Pedro não me escutar,
Afinal os anos já o ensurdecem.
Que venha S. Paulo para ajudar,
Todos os que de amor carecem.

Não se riam das mezinhas,
Para ao santo agradar.
Para que cheguem a velhinhas
Com o coração a saltitar.

Mas festa é sempre festa,
Com desejos realizados ou não.
Se o milagre não acontecer nesta,
Muitas outras depois ainda virão

O que não pode faltar é alegria,
Para festejar a vida e a ventura. 
De se encontrar em cada dia, 
Motivos  para oferecer ternura.

terça-feira, 23 de junho de 2015

S. João milagreiro

Ao São João que é milagreiro,
Peço com devoção e carinho.
Que engorde o meu mealheiro,
Porque ele anda tão magrinho.

Se a alegria não paga imposto,
O melhor é a festa aproveitar.
Com preço a que está o desgosto,
Ainda terei que me endividar.

De martelinho na mão vou brincar,
Festejando até deixar indisposto,
Quem gosta de para tudo inventar
Algum novo e doloso imposto.

Vou queimar na fogueira o alho-porro,
Fazendo ao Santo um pedido secreto.
Para que por quem tanto corro, 
Fique de mim cada dia mais perto.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Post.it: Dar e receber

Mais uma conversa de “Bus”. Gosto destas conversas, perdoem-me a cusquice,  mas quem passa horas neste meio de transporte, apertado como uma sardinha em lata, tem de se distrair para não entrar em stress, além disso acho algumas tão enriquecedoras desta nossa sociedade com todos os seus defeitos e virtudes que é impossível fechar os ouvidos, desviar o olhar , a menos que me ponha a ler ou a jogar com o telemóvel, coisa impossível para mim que neste tipo de situação fico tremendamente enjoada.
Porém, devo confessar com alguma nostalgia que tenho pena que estas conversas comecem a rarear, que cada vez mais cresça o silêncio, a distância entre companheiros de viagem. Mas vão surgindo outras que me chegam em mono, porque apenas ouço um dos interlocutores enquanto o outro unicamente o adivinho do outro lado da rede, algures na cidade, no país, no planeta. Mas quando há conversas entre duas pessoas presentes, que se olham cara a cara, não deixo de lhes prestar alguma atenção. Aqui fica um pequeno excerto, aquele que me interessou. 
 “ -  Mas tu ofereces para receber?” Perguntava alguém com ar de quem tudo sabe e por isso sente-se no direito de tudo criticar. O tom soou tão reprovador que de imediato a outra pessoa, que por um breve momento intentou responder num culpado encolher de ombros de assentimento positivo, o que podia ser interpretado como uma quase “ fraqueza humana”, perante aquele tom e olhar gravemente recriminatório que olharam os seus de forma desafiante, de imediato endireitou a coluna numa atitude de esforçado  brio e com o orgulho ferido e puxou pelos valores civilizacionais (porque ainda há quem os tenha) e respondeu com falsa firmeza.
 “ - Claro que não, dou sempre sem ficar à espera de receber algo em troca."
Sorri por dentro, chorei por dentro, porque eu, eu humana, frágil, sensível, sincera, verdadeira e cheia de coragem de o ser, que me perdoem se tudo isto é defeito, sim, confesso, dou e fico ansiosamente à espera de receber. 
De receber, tão somente, a ternura de um sorriso.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Post.it: Vá mas, fique

Que fazer com as lembranças se já não as podemos abraçar.  Que fazer com o que fomos se não voltaremos a ser. E as palavras, os silêncios, os sorrisos, a partilha, a amizade como a reter, parar no tempo e ficar aqui. Simplesmente aqui, nesta espécie de limbo de um tempo sem tempo, somente a sentir, a vivenciar.
 De repente, os pilares do que sou ficam abalados. O edifício da minha história estremece, quando tudo passa a ser apenas e só, memória. Não, não me venham com teorias vãs, essa imortalidade, que no fundo não o é, desculpas que inventamos para tentar acreditar, para tentar consolar o sentir e a solidão, para preencher os dias, os anos que ficam cada vez mais vazios de nós.
Era a minha referência, o meu exemplo de vida, quem me dera ficar com essa herança de tranquilidade, de felicidade, de beleza interior, de esplendor em cada gesto. Essa coragem de ser e revelar-se como era. Gravada em cada célula cada vez mais solitária tenho a sua voz baixa, suave, mas firme no que dizia, de tão certa do futuro, porque este era realmente seu. Pertencia-lhe por direito de conquista, de luta sem desistências. E no entanto, mantinha-se tão simples, tão discreta, tão verdadeira. “Tenho saudades suas”, lembro-me bem das vezes que a ouvi pronunciar esta frase sem mágoa, sem cobrança, era suave, envolvente, como deve ser a saudade, no que esta expressão encerra de ternura, de entrega, de dádiva, de gostar. Sim de gostar, um gostar que hoje tão dificilmente se encontra, livre de julgamentos, de críticas, de banalidades. Somente o gostar de estar, de reencontrar essa pessoa e partilhar a simplicidade do existir repartindo-se e ficando cada vez mais inteiro.
Hoje, agora com um coração “egoísta” digo, “não vá” mas a alma generosa conciliada e conciliadora  grita, “vá, vá depressa” para que a morte me doa no peito mas já não mais em si. Por fim quedo-me no mais profundo silêncio, um silêncio de ecos que se repetem pelos lugares mais recônditos do meu ser.
E num suspiro que invade o ar que nos envolve, o adeus, e o desejo mais profundo de que receba esse abraço, o último da vida, primeiro da partida e colha aquilo que sempre foi para os outros, amizade.



segunda-feira, 8 de junho de 2015

Festas da cidade

Lisboa já te espera.
Com o manjerico na mão.
Está velha mas não desespera,
Pelo viver tão grande paixão.

Quem sabe Sto. António atende,
O pedido desta bela cidade.
Que ao rio um suspiro estende,
Para que dele venha a felicidade

Enquanto o Tejo dividido,
Entre cada gentil margem.
Hesita no formal pedido,
E segue a contínua viagem.

Santo e amigo milagreiro,
Fica atento a tão longo amor.
Que por ser forte e verdadeiro,
Merece o teu especial favor.

Lisboa de cabelos brancos,
O Tejo carregado de passados.
Que por terem tantos encantos,
Vão ficar para sempre abraçados.



quinta-feira, 4 de junho de 2015

Post.it: Ventos e marés

Neste barco onde navego pelos mares do pensamento, vou ao leme conduzindo ou deixando-me conduzir. Por vezes em águas tranquilas, por vezes, atravessando bravias tempestades, vou ao leme (como quem nada teme), forte e firme no meu destino. 
Ergo as velas tento ir por ali, mas logo o vento me direcciona noutro sentido. Sonho com um cais onde aportar o sentir. Busco ilhas onde ancorar os sentidos, mas continuo a navegar. Continuo a naufragar, aqui e além nesta épica ventura de viver. 
Quem sabe surja um farol que me erga proa da esperança e me indique um mar mais sereno onde posse aportar a vida. Até lá, permaneço à deriva, até lá, vou-me navegando no que sou, até um dia, um qualquer dia, ano, hiato de tempo, descobrir finalmente para onde vou. Ou quem sabe, como qualquer marinheiro de semelhantes águas, descubro um dia que sempre estive no lugar certo, que este é o meu cais, que este é o meu porto seguro. 
Esteve sempre aqui para mim e eu que estendia o olhar para lá do horizonte estive “cega” de desejos, aspirações, sonhos, fantasias, ilusões, perdendo a oferta generosa da realidade que me estava, afinal, tão perto. 
Faz parte de nós o navegar, faz parte de nós esta inquietude de quem precisa de estar sempre mais além. 
Onde? Saberemos quando lá chegarmos, mesmo que esse lugar seja este onde sempre estivemos, será novo, e por isso mesmo aquele que procurámos a vida inteira. Porque não o vimos antes, porque não o sentimos antes? Porque era preciso viajar, viajar muito dentro de nós para chegarmos ao que somos. Isso leva tempo, por vezes muito tempo, depende… dos ventos e das marés.