quinta-feira, 15 de maio de 2014

Por momentos...

Que dizer da minha noite? Nada, não me lembro de nada, nem de sonhos, nem de despertares. 
Dormi, penso que sonhei, que por momentos realizei desejos, conquistei ambições, fui o que não sou, o que nunca serei. 
Acreditei e ao acreditar fui feliz. Porque a felicidade, a verdadeira felicidade é acreditar, em nós, nos outros, na mudança das estações do ano, nas árvores que resistem a tudo até a nós, nos rios que por mais que lhes alteremos o percurso encontram sempre o caminho, o seu. Enquanto a humanidade continua na sua efémera eternidade em busca de um que lhe pertença.
Mas aqui, nesta noite, encontrei-o, penso que sim, porque acordei com aquela tranquilidade de quem teve a recompensa de um dia sôfrego de paz.
Acordei, espreguicei o olhar e apeteceu-me sorrir, abraçar o sol, moldar nas nuvens  palavras de alegria e depois caminhar sem destino ou sem saber, com um destino certo, aquele que me leva à noite, ao sonho, à felicidade de ser quem não sou, quem sabe, nunca serei, sem que isso me incomode, porque no fundo, bem lá no fundo sei que na realidade sou o meu sonho concretizado de uma forma ou de outra, esta jovialidade o que me dança no peito e que me faz ser o rio que encontra sempre o seu caminho através das curvas e arestas de cada margem da vida.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Ele bate

Podem deixá-lo esquecido,
Mas ele bate, bate ferido.
Podem acusá-lo de frieza,
Mas ele bate, bate de tristeza.

Podem chamar-lhe pedra da calçada,
Mas bate, bate de alma magoada.
Podem condená-lo, por o achar frio,
Mas ele bate, bate por não estar vazio.

Podem apagá-lo da lembrança,
Mas ele bate, bate de esperança.
Podem passar sem que o vejam,
Mas ele bate, bate para que o sintam.

Podem pisá-lo até à dor,
Mas ele bate, bate de amor.
Podem julgá-lo duramente,
Mas ele bate, bate porque é gente.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Post.it: Final feliz

Quando tudo fica bem, o ideal acontece, o sonho realiza-se, o coração reconforta-se e a esperança renasce. 
Quem sabe, um dia, o impossível se torne igualmente possível para si, que não aconteça só nos filmes, nos livros, na vida dos outros. Quem sabe também nós tenhamos um dia o nosso Final Feliz.
Esta nossa ideia romântica da vida, este nosso desejo de felicidade, esta nossa ambição de atingir a perfeição das coisas leva-nos a ver, a sentir, este Final Feliz como algo de extraordinário. 
Mas vejamos o contrassenso que a expressão encerra, a oposição dos termos, como pode ser um Final Feliz, se está condenado a ser um final. 
Um final nunca é bom, porque nos reduz ao seu finito, porque nos deixa sem horizonte longínquo, porque nos rouba os sonhos futuros, porque nos impede de voar, porque nos tira a possibilidade de ir mais além, de conquistar novas oportunidades.
E no entanto, quantos de nós não trocaríamos tudo isto por esse Final Feliz, dure o tempo que durar, uma vida inteira, uma década, um ano, ou apenas e simplesmente uns breves meses. 
Acredito que aceitaríamos a proposta do destino, nem que fosse só pelo vislumbre dessa pequena mas imensa possibilidade…

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Post.it: Morada de vida

Nova semana, nova vida? E porque não? Por vezes, as mudanças acontecem, sobretudo quando não as esperamos. E, se forem boas, são sempre bem vindas. Mas o melhor é encarar o dia com a preguiça saborosa de sempre, abrir um olho e depois o outro, espreitar o dia, escutar o silêncio. Este pequeno instante, antes de as portas começarem a abrir e a bater com maior ou menor violência, o motor dos carros, os passos apressados, as birras de sono das crianças. Só o Micas, o cão da minha vizinha, salta e rodopia, feliz por estar vivo, por ir passear, cheirar as flores, cumprimentar o sol.
Enquanto nós continuamos a despertar cada parte do nosso corpo, depois dos olhos, os braços e as pernas, os pés que se fincam no chão e esperam a ordem de um cérebro dormente, que lhes diga para onde seguir. E lá vão sem saltos nem rodopios. Como invejo o Micas e a sua alegria. Respiro fundo, encho o peito de ar e espero que ao conjunto químico seja acrescentado um pouco de esperança. Esperança de que hoje, nem que seja só por hoje, as pessoas vão cumprimentar-se com um sorriso, sem atropelos na corrida de chegar o mais depressa possível ao final do dia, ao regresso. Porque a alegria de partir, de abandonar o leito que nos abraça é a promessa de um regresso.
E quando me questiono sobre o que fazemos aqui, não tenho resposta, não daquelas eruditas, metafísicas. Sinto apenas que estamos aqui para voltar ao nosso lugar. Um lugar que é nosso, que nos recebe, que nos aconchega, que nos protege, que se molda a nós, que reflete os nossos gostos, um pouco do que somos e o muito do que desejaríamos ser, talvez mais organizados, mais amplos de luz e espaço. E quando aquela porta se abre, quando o cheiro de morada nos invade a alma, entramos sem pressa, só para sentir a suavidade de cada passo, a certeza de que estamos aqui, talvez sem grande missão, quem sabe não por muito tempo, talvez sem uma grande meta, mas para regressar ao útero de vida a que chamamos lar e outras espécies, ninho, gruta, porto seguro...
Não se mede em metros quadrados, nem pelos objetos de decoração, mas pela vida que pulsa nela, a nossa. Sem a nossa morada não passamos de nómadas, perdidos de nós em busca de um luar que não nos gele e de um sol que não nos queime a réstia de esperança e de dignidade humana.
Por tudo isto, despertamos, abrimos um olho e depois o outro, colocamos os pés no chão e caminhamos para aquele abraço humanizado com o nosso calor e cada passo que damos é na direção do mais feliz regresso.