quinta-feira, 24 de abril de 2014

Post.it. Pátria

“A minha pátria é a língua portuguesa”
(F. Pessoa)

A minha língua é uma história feita de caminhos nómadas, na estrada escavada pela erosão dos ventos, delineada nas escarpas rochosas pela chuvas intemporais, no romper dos mares pela terra adentro, e pelo embalo das ninfas vozes oceânicas. Esta língua que adquiriu matizes de humanidade, laivos solares da sua cultura ocidental e pigmentos terminológicos de longínquos povos. 
Esta pátria linguística desde há muito mesclada de tantas tonalidades e expressões, corre-nos nas veias em células de povos fenícios, gregos, celtas, bárbaros, de impérios erguidos de conhecimento e desmoronados de ambição. 
Porque a língua é uma arma poderosa: serve para declarar a guerra mas também para exprimir sonhos de paz e de amor. Tem genes de reconciliação, é uma ponte que une as margens separadas, cria encontros, estabelece laços, num diálogo de aproximação mas também, quantas vezes, de  separação.
Uma língua que nos conquista, com a doçura da sua fonética, com este sentimento de saudade de quem fomos e de quem somos, um sentir que se agarra à nossa pele, povoa o nosso sangue, faz parte intrínseca de nós. Por isso é custosa a mudança que se queira fazer à língua que bebemos com o leite materno, é como mudar o corpo, tatuá-lo de vivências que não são as nossas. Arrancar letras ou acentos das palavras que nos habituamos a desenhar com a ternura de uma mão incerta, que vai adquirindo o jeito e começa a abrir as asas e a voar para além dos limites do papel. 
É certo que as línguas são organismos vivos, nascem, crescem modelam-se, modelam-nos, perduram, continuam a espraiar-se longamente para além de nós. Tornam-se infinitas, imortalizam-nos nessa herança que recebemos e que passamos como testemunho de vida, de luta, de glória. 
Mátria língua, semente de esperança, entranhada neste peito luso, que  se ergueu majestosa de alento e uniu num só ideal todo o nosso Portugal. Em homenagem ao passado, que quis no seu presente conquistar a Liberdade do futuro. Usando apenas como armas: a Coragem, o Coração e os Cravos. 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Post.it: Amar é um dom

     Amar é um dom, um dom que nos nasce, um dom que nos faz crescer inteiros, preenchidos de vida, de encontros, de gestos, de boas vontades, afagos e afectos.
Reconhecer o que nos é dado como testemunho de caminho é a extensão do que somos, de onde viemos, para onde vamos, afinal todos somos uma obra inacabada dos outros, “a nossa história começou antes de nós e persistirá depois”. Mas também nos que estão presentes ausentando-se por vezes sem contudo partirem.
Amar é um dom que nos confirma humanos, de braços que se estendem para dar e receber. Porque se nos darmos pode ser difícil, saber receber não é tarefa fácil. A gratidão é mais do que um “obrigado” lançado ao vento e que de tão leve de conteúdo dilui-se antes de nos alcançar, antes de nos entrar no peito, reconfortar e apaziguar as incertezas da alma. Agradecer tornou-se um mero gesto de “boa educação”. Até porque desde crianças nos habituamos a receber coisas fabricadas em série, coisas que todos têm e nada, nada mesmo nos parece especial.
Mas amar é um dom, que ultrapassa os mecanismos, a industrialização, o consumismo, o comum e que o vê e o sente individual, único na atitude de oferta não de “objecto”, mas da intenção que cria o gesto da compra, do embrulhar até à mão estendida que oferece, quando nesse afago se dá a si também em amizade, em carinho, em amor.
Amar é um dom, reafirmo, um dom que não vejo em alguns olhares, em alguns corações que ainda não o sentiram desperto e mesmo quando vêm de mãos estendidas, quando chegam de braços abertos, dão, e no entanto, sem se dar.
Mas não vou acumular ressentimentos pela aparente falta de gratidão, não vou prantear a dureza de um silêncio que não ganhou voz. Vou olhar tudo isto como uma etapa de crescimento  e perceber que a proximidade tem sempre uma distância que medeia a realidade do que cada um é  e a idealização que dele fazemos. E porque amar é um dom, sem sabermos bem como, vamos amando e acreditando que a “verdadeira riqueza humana, não está no que se vê, mas no que cada um traz no coração”.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Post.it: Eu e o meu "Eu"

O problema é o Eu, não eu enquanto pessoa, enquanto ser social, mas o meu Eu, ego, auto-estima, vaidade, desejo e vontade.
O problema é o Eu, que exige direitos que quer que sejam seus, unicamente seus. Que reclama atenções que acha, lhe são devidas, porque afinal esse Eu, é boa pessoa, exigente mas generosa, custava que lhe dessem um pouco da medida que dá?
Talvez sim, porque quem recebe, nem se apercebe da dimensão de cada gesto, de cada pensamento, de cada sentimento. Não percebe que cada letra escrita, cada palavra verbalizada vem de dentro, não do espaço das banalidades mas da fonte mais profunda,  de onde brotam as emoções.
Então o meu Eu fecha-se dentro do peito, inventa a sua ilha e sonha que em algum lugar existe um mundo mais verdadeiro, mais inteiro, mais palpável. Que em alguém há num qualquer lugar do seu um coração que saiba sorrir, uma alma que saiba dar de si sem querer apenas receber, guardar, e apreciar sem reconhecer, sem retribuir.
 Mas no fundo bem no fundo, o meu Eu sabe que esse lugar não existe que esse Outro nunca será  um encontro. Que a vida é feita mais de desencontros do que encontros. Que tudo neste universo de vidas é uma mera passagem, que tudo é finitude e que mesmo o infinito de um momento único e belo nem sempre chega a existir.
Porque por mais que façamos, por mais que nos reinventemos, adaptemos, tentemos conquistar e quase ser idênticos aos nossos semelhantes, seremos sempre nós, e dentro de cada um de nós, este Eu.
Um Eu Honóris Causa, porque tem apenas um direito constituído de aparências. Uma capa, que nos envolve o dia e adormece a noite desamparada de coincidências.
Na realidade estaremos sempre sós,  apenas nós e o nosso Eu, mais ou menos adaptado, mais ou menos feliz com as pequenas coisas, mas também, quiçá, infeliz com todas as outras, perspetivadas, ambicionadas, sonhadas, mas que tarde ou nunca chegam a acontecer.
Os outros serão sempre os outros, mesmo quando entram na nossa vida, mesmo quando marcam o nosso passado, mesmo quando definem o nosso presente, não os devemos prender nem os tornar a causa do nosso futuro, um futuro que pode nunca acontecer da forma como o idealizamos, como construímos esse que é apenas um castelo de cartas. Não podemos viver com receio de ventos, de chuvas, de intempéries que desmoronem os nossos sonhos, temos de construir as bases sólidas 
de um castelo emocional para que não se desvaneça com a erosão do tempo, nem a cada obstáculo, a cada curva mais apertada da nossa estrada de crescimento.
Como o fazer? Talvez nunca o saibamos, vamos tentando descobrir em cada momento que a vida nos proporciona.
E um dia, talvez um dia o meu Eu se encontre comigo, num desses encontros felizes em que a emoção e a razão fazem as pazes e partem de mãos dadas pela vida fora num horizonte de Happy end(s)