quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Post.it: Quem me roubou o tempo?


– Lembras-te do João? O filho da Marta? Que morava no 5º andar? – Sim, já me lembro (vagamente), respondi enquanto pensava, ‘agora deve vir ai o resto da história, casou, teve filhos, divorciou-se, detesto novelas!’ Bocejei por dentro.
 – Encontrei-o outro dia, está mais velho. ‘Claro, continuei a pensar sem desviar os olhos do livro que estava a ler, afinal já se passaram, 10, 20 anos, sei lá, não os ando a contar, resmunguei em pensamento, por me impedirem o sossego da leitura’.
Houve um silêncio, ‘o assunto deve ter acabado aqui’, suspirei.
 – Tu não sabes…
Perante o tom amargurado de voz, desprendi o olhar do livro, foquei-me curiosa no seu rosto.
– Tu não sabes, repetiu, o tempo não anda, nem sequer voa. Conheces aquela sensação de quando pensamos que temos uma nota na carteira e afinal não temos?
‘Abanei a cabeça num gesto de confirmação’ e ela continuou a sua divagação, – Sentimo-nos roubados, porque não nos lembramos de ter gasto esse dinheiro. Foi assim que me senti quando encontrei o João, casou-se, teve filhos, divorciou-se, está velho e, ‘continuava a escuta-la sem entender a analogia do discurso, mas não quis interromper’ – No entanto. Continuou no mesmo tom melancólico. Ele é muito mais jovem que eu, como estarei no seu olhar? Velha, certamente, muito velha, o que me entristece, o que me revolta é que não dei pelo tempo passar, sinto que o roubaram, que não o vivi ou, será que o perdi?
‘Tu não sabes… digo-lhe em silêncio, ‘mas também me sinto por vezes assim, e sempre que isso acontece, prometo que vou tomar mais atenção, para não perder, nem deixar que me roubem de novo o tempo’.


terça-feira, 30 de outubro de 2012

Post.it: Evasão de Manet


Este quadro, este bote de salvação, este mar que é caminho, encheu-me o olhar, encheu-me o peito de evasão.
Se ao menos tivesse um bote para me levar mais longe, a esse lugar, onde, dizem, mora a felicidade. Se ao menos tivesse um bote talvez fosse capaz de remar nessa direcção.
Se ao menos tivesse um bote, sei que encontraria um sentido para este mar que me inunda de turbilhão a alma e de solidão o peito.
Podia ser pequeno, podia ser frágil, desde que navegasse, e derrotasse todos os obstáculos. Sem motor, sem velas, sem tábuas, sem vento, sem corrente, mas com vontade  de me navegar, de me levar, numa evasão, numa saída para longe, muito longe, lá onde só os sonhos chegam nos seus botes de maresia. Lá onde a noite pode adormecer serena e despertar num sopro de brisa, e as nuvens escrevem histórias felizes não sei se verdadeiras, mas que nos fazem acreditar nessa possibilidade com se fosse concreta.
Se ao menos tivesse um bote de esperança para me evadir desta prisão com paredes de realidade e grades de obrigações. Desta argamassa civilizacional que tudo sabe exigir e tão pouco oferecer…
Este mar, sempre este mar, que queremos reproduzir na tela para o guardar como se fosse o nosso bote de alento.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Post.it: O rumo das palavras


Às vezes começo a escrever e sem saber que rumo tomar, deixo-me ir por um mar que me vai levar para portos desconhecidos. Porque na escrita, sou apenas uma navegante que se deixa guiar pelo leme da inspiração. Bendizem os meus caminhos e eu que sei que eles não me pertencem, sorriu, não por vaidade ou por orgulho mas por esperança, expectativa, desejo, alento e confiança que esse caminho permaneça o meu destino. Enganam-se se pensam que busco a glória, sobretudo, porque já a alcancei, num só olhar, numa só palavra, num só gesto de carinho, esse cais que recebeu a minha incoerência e a tornou no seu peito coerente. Afinal, não somos somente o que escrevemos mas o que alguém lê do que escrevemos. E se há um encontro de palavras, de silêncios, de pausas, de saltos e sobressaltos, de emoções e comoções, então dá-se a magia da descoberta, uma consonância entre quem escreve e quem lê. Entre quem oferece e quem recebe a mensagem. Talvez não quando a escrevo, não quando a lêem  talvez um dia quando relerem com uma sensibilidade diferente, de quem já passou por muitas estradas e soube delas reter o essencial que guarda no peito.
São os olhos que abrem as janelas para que as palavras entrem, é o cérebro que as lê, mas no final, é o coração que as sente.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Post.it: Cartões de plástico


Uma vez mais estamos na época de cartões de plástico, em qualquer loja perguntam-nos se temos o seu cartão. Não? Perante tal admiração sentimo-nos outsider, fora de moda, estranhas, novatas. A melhor solução parece-nos ser sorrir e revelar grande interesse em deter o referido cartão. Mesmo que seja a primeira e última vez que entramos naquele local de clientes pedantes e funcionários arrogantes. Afinal, quem é que gosta de ser olhado como um ET? O melhor é entrar na onda sem nos deixarmos afogar por ela
Não que eu seja uma viciada em consumismo, mas também hei de ter aquele cartão dourado, que me pode vir a ser útil em alguma bricolage em casa (já aconteceu) se não tiver outra utilidade. Claro que há cartões que nunca me esqueço de usar, como não vou fazer publicidade, digo apenas que dão descontos em pontos acumulados, outros exibo não com vaidade mas com algum orgulho de ir somando pontos num circuito onde abundam mais os homens do que as mulheres, que ainda fogem das chaves de parafusos, pregos e martelos deixando essas “árduas” tarefas para os respectivos cônjuges. O cartão da gasolina que vai somando pontos de uma forma cada vez mais lenta (sabe-se lá porquê), e, infelizmente o da farmácia que vai subindo em flecha no seu somatório.  Mas a dada altura não há carteira que consiga fechar-se com tanto plástico nas suas divisões. Por isso o melhor é deixar em casa o da perfumaria, que só serve para me telefonarem a dar os parabéns no dia dos meus anos. O da livraria porque já não tenho espaço para mais livros, o da tv cabo que já não dá desconto nos cinemas, etc, etc., etc. Parece mal usar esta expressão, mas sabe bem sintetizar até nos etc.
Porque é que não fazem um cartão simplex, como fez o nosso ex.1º? Um cartão que condense todos num: o BI, Contribuinte, Utente, acrescentando-lhe,  os de Condução, Crédito, Multibanco, gasolineira, livraria, hipermercado, boutique e não esquecer o do Mundo do Bonsai, o mais importante de todos eles,  para dar um pouco de verde ao mundo de plástico que nos rodeia. 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Post.it: Cigana


Quem me dera ser cigana, viver sem rumo, ter um lar em cada planície, dormir em cada sombra de árvore. Encher os pulmões de liberdade, cavalgar na orla do vento, navegar na crista das ondas.
Quem me dera ser cigana “amar sem ficar prisioneira do amor”. Transformar em risos as cicatrizes, dançar sobre o pó da estrada, essa que não tem apeadeiros permanentes. Ter luz no olhar e feitiços no coração. E na voz, um silêncio escondido, de histórias por contar, então fala, e no que diz ressoam castanholas entoando na brisa gargalhadas que desafiam a sorte.
Quem me dera ser cigana, encantada, profunda, audaciosa, como se enganam em chamar-lhe vaidosa. Sã na sua loucura  é orgia de afectos e ternura. E nunca rasgo de cintura ensaia um passo flamenco, ergue as mãos ao céu, e avança com gestos firmes meigos, bruscos, como quem desafia a vida ao desdenhar da morte.
Quem me dera ser cigana, viver num tempo que se libertou das horas e segue apenas a vontade de cada momento. 


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Post.it: A herança genética


“Tem o nariz do pai”, foi logo herdar essa parte que é nele a mais feia. “Tem os lábios da mãe”, felizmente que ficou com essa semelhança. “De feitio é mesmo o avô”, teimoso, como só ele, “mas também a benevolência da avó”. “Claro que tinha que receber os tiques do tio, bem que eu gostaria que tivesse recebido a inteligência da tia”.
Mas no conjunto, é bonito, não sei onde foi buscar tanta beleza, é generoso, simpático. E no geral tem o equilíbrio necessário para se tornar um filho de quem os pais se possam sempre orgulhar.
Na  infância os  traços são ainda ténues mas perceptíveis  ou adivinhados dessa herança genética,  uma herança que perscrutamos ansiosos por conhecer aquele pequeno ser que ainda mal sabe pronunciar meia dúzia de palavras. Depois como num quadro de pintura, os traços vão ganhando expressão, as sombras vão definindo os contornos, aumentam as palavras, crescem os silêncios, tentamos aqui e ali encontrar semelhanças tranquilizadoras de alguém que conhecemos. “A quem terá ido buscar tão mau feitio?” Procuramos na árvore genológica, sem encontrar a similaridade. Por fim compreendemos que começou a cortar os laços, que adquiriu a sua personalidade, “ou será das companhias?” Ainda hesitamos. Não, não adianta procurar causas, apenas soluções, contornar aqui e ali altos e baixos e continuar a sorrir, a descobrir que ele é mais, muito mais do que o herdeiro do nariz do pai, dos lábios da mãe, é talvez todo o tempo que lhe dedicámos, todos os sins, todos os nãos em todo o amor que continuamente lhe demos.


terça-feira, 23 de outubro de 2012

Post.it: Vaidades literárias


Sinceramente não gosto dos teus livros. Bom, desculpa esta intimidade de tratamento, coisas que o distanciamento de leitor nos permite. Isto não significa de modo algum que me compare a ti, que me considera colega destas artes, porque na verdade não me sinto nem sequer a espreitar no primeiro degrau.
Repito a minha confissão, não gosto do que escreves. Garanto-te que já tentei, quis sentir-me culturalmente evoluída, afinal, és um escritor de renome, com prémios a enfeitar a parede. Bem que tento ler e reler, mastigar as frases para lhes encontrar algum sabor, mas, nada. Falta-lhe algum ingrediente, um qb de tempero, ou talvez excesso de fel. Tudo o que leio do que escreves deixa-me um sabor amargo, dum pessimismo que não é de lágrimas mas de descrença em tudo o existe e até no que há de existir, porque não vislumbras nenhuma luz no fundo do túnel, caminhas por ele e levas-nos para essa escuridão sem a esperança de encontrar alguma luminosidade.
Agora deu-te para seguires o rasto de outro autor, decidiste poupar na pontuação, vamos saltando de linha para linha sem percebermos se a anterior terminou, mas quem sabe, dessa maneira, até um dia destes és galardoado com um Nobel. Uma amiga minha costuma dizer com sentido pesar, “eu é que merecia um Nobel por tentar ler estes autores, mas se digo que não li, chamam-me de ignorante para baixo”.
Imagino-te já a remexer inquieto na cadeira, como se sentisses um desconforto de quem quer explodir algum impropério. Mas depois ergues esse olhar desgastado pelos anos, acendes mais um cigarro e remetes-te ao silêncio. Com o desprezo que emite quem se acomoda ao seu distinto pedestal. Leio e releio os meus humildes post.its e sinto-me feliz pela minha incapacidade de escrever “grandes obras”, sinto-me satisfeita por todas as vírgulas e pontos finais que não poupo, mesmo que a crise o exija, sinto-me afortunada pelo meu anonimato, pelas minhas paredes vazias de prémios, mas o coração repleto dos generosos elogios das minhas amigas quando lhes deixo em cada parágrafo uma minúscula luzinha de alento, essa luz, que tu  perdeste algures pela fama.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Segue o coração

Eu e o meu coração,
Tivemos uma longa discussão.
O coração dizia querer amar,
Quem sabe um dia até casar.
Eu queria subir na vida,
Viver uma história divertida.
Ter uma carreira de sucesso
E no rosto o êxito impresso.
Entretanto o tempo passou.
Muita coisa em nós mudou.
O coração conheceu um ladrão,
Que o roubou e colocou na prisão.
Eu, sem dar conta, pelo tempo passei,
E no caminho pouca felicidade encontrei.
Como invejo as memórias do coração,
Que viveu em pleno a sua louca paixão.

Eu que me fingi a tudo indiferente.
Passei na vida como quem a não sente.
Se voltasse atrás no tempo,
À discussão daquele momento.
Imitaria os passos do coração,
Só para sentir aquela emoção.
De voar com os pés na terra,
De estar em paz e sentir a guerra.
As células no seu eterno gladiar,
Para serem as primeiras a chegar.
À ternura daquele abraço,
Que nos leva para outro espaço.
Que não é terrestre, que não é mortal,
E que em nós nunca terá um final.
Por isso escuta o conselho que te diz,
Só seguindo o coração e serás feliz.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Post.it: Tudo o que tenho me basta


Esta manhã que se revela pronta a ser rescrita. Este sol que me ilumina o olhar. Este azul que me oferece um teto de paz. E as nuvens, essas que chegam e partem desenhando abraços que me tocam ao de leve quando em nevoeiro descem sobre mim. Até a brisa vai soprando notícias “aos sete ventos”, não aquelas que recebemos em turbilhão quando acedemos aos media, são outras as noticias da brisa, fala da terra, das árvores que cresceram, das flores que desabrocharam, dos rios que chegaram à foz, dos mares que descansaram nas praias.
Então olho as filas de trânsito, a marcha dos carros fumegantes e dos seus ocupantes de olhar fixos numa estrada que lhes parece cada vez mais estreita, mais ingreme, mais longa. Olho as vidas a passar, com pressa de chegar a algum lugar cada vez mais vazio. Sinto a tristeza que lhes invade a alma, que lhes corrói a esperança. Não, não estou escondida em lirismos, não me afoguei nos sonhos para fugir da realidade, ela existe, bate-nos à porta, obriga-nos a cumprir as normas que mudam a uma velocidade vertiginosa.
Só as manhãs não pagam portagem, só o sol é grátis, só o céu é livre, e a brisa continua a oferecer boas notícias do que aqui e ali vai acontecendo de bom na terra, esta terra que habitamos. Que inveja, diz-me um suspiro, desta terra que segue o seu rumo natural, deste rio que conhece o seu caminho, deste mar e dos seus cais, das  dunas que tem para se abrigar. Eu, não tenho nada, mas tudo o que tenho me basta. 

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Post.it: Cacofonias


A língua portuguesa apesar de atraiçoada, mal tratada, abrasileirada, continua a ser um excelente meio de comunicação. Confesso que nem sempre lhe dou o devido valor, que cometo erros, de “simpatia”, de distracção e de, reconheço, ignorância. Porque não basta colocar as letras bem alinhadas e com elas criar uma mancha bonita, não basta ter alma e coração para lhes dar sentido, por vezes para as compreender é preciso conhecer a sua raiz, a sua origem, grega ou latina. Mas quem se dá a esse trabalho? Quem tem hoje tão profundo conhecimento? Aliás tanta erudição era capaz de sonegar a graça e o espírito da escrita que ainda assim mantém, talvez e apesar dos erros.
Mas a língua portuguesa não tem que ser sempre sóbria e distinta, também tem os seus momentos engraçados, exemplo disso são as cacofonias, ora vejamos alguns mimos:
 “Fé de um povo na rua (fede)
“Eu vi ela no supermercado” (viela)
“O nosso hino é muito belo” (sohino=suíno)
“Ouvi dito pela  boca dela” (cadela)
 “Ela tinha” (latinha)
“Como as concebo” (com sebo (fonética)
“Essa fada” (Safada)
“Amar ela é meu destino (Amarela)
“Não case com ela sem amá-la” (a mala)
“Foi algo mal dito” (maldito)
“O Sr. António marca gado” (mar cagado)
“Esse jogador tentou marcar” (Joga dor)
“Na vez passada” (Vespa assada)
Nem Camões escapou  a cacofonia com o seu soneto, "Alma minha gentil" (maminha).
E porque rir ainda não paga imposto... acrescento mais esta,
"O ministro diz que vai fazer por cada um de nós" (porcada). Será que não vai mesmo?

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Post.it: O que nos falta


Não sei o que  falta. Falta sempre qualquer coisa, por pequena que seja, faz-nos falta. E sem sabermos como, o que nos falta deixa-nos uma sensação de vazio, no canto da alma, no centro do coração, no início do estômago. É fome, diz-nos a razão para resolver rapidamente o problema e, comemos, mas a sensação de fome continua a calcar-nos uma ferida, uma velha ferida. Porque ninguém fica isento de mágoas quando vive a vida de peito aberto, pronto para abraçar todas as causas, para lutar em todas as batalhas e sair delas sem vencer a guerra. 
Porque só a paz, quando a alcançamos, pode levar-nos à vitória.
À vitória na guerra dos dias, nesses dias em que sentimos que algo nos falta: um raio de sol quando o inverno o encobre; uma brisa mais fresca quando o verão nos avassala; uma nuvem de chuva para despertar a flor; uma invasão de mar para inundar o olhar; um sorriso oferecido pelo rosto mais amigo; um afecto; uma palavra que nos ergue a esperança; um não sei quê que sentimos falta para preencher um lugar que não sabemos onde está, que nem sabíamos que existia, mas que permanece a latejar em nós por algo, algo  que sentimos falta.


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Post.it: É preciso crer


 “Não quero compreender para crer, mas crer para compreender”. Uma frase que nos fala de fé, dessa fé que questionamos, que nos questiona. Que nos faz avançar sem ter dúvidas, que nos preenche de certezas. Mas os tempos são difíceis e cada vez mais sentimos que desmoronam as estruturas do nosso querer e do nosso crer. Que o passado já não nos dá a tranquilidade de uma construção em lutas e direitos tão arduamente adquiridos. Que futuro já não é só o seguir em frente, a causa/efeito das nossas construções no presente. Procuramos uma luz no fundo do túnel, mas a escuridão parece envolver-nos cada vez mais. E mesmo que o sol brilhe no horizonte da terra, parece afastar-se continuamente do nosso horizonte pessoal.
Que destino será o nosso, que mais obstáculos vamos encontrar, será que os conseguiremos suplantar? Aqui e ali desmoronam-se vidas, mergulhadas no desespero sem solução à vista. Buscamos na fé, na nossa fé, seja qual for a nossa religião ou ateísmo. A nossa fé está, deve estar, existir e sobreviver para além do caminho, nos passos, que temos que dar, acreditando que ele nos levam a algum lugar. Temos que ter fé em nós, nesta humanidade que somos. Para renascer das cinzas como uma fénix que se volta a erguer e a voar, mesmo que o céu nos pareça distante, na realidade é uma ilusão de óptica, o céu está à distância da nossa mão.
Para tudo é necessário querer, querer muito e crer…

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Post.it: Continuo a sonhar-te...

"Ainda sonho contigo". Redige com mão trémula, cansada de escrever cartas que nunca chegam ao seu destino. “Ainda sonho contigo”, relê e continua a sua escrita, “e esta é a minha maravilha ou o meu pesadelo. A forma como te lembro, a forma como te esqueço com o tempo. Porque os anos passaram mas nada muda o facto de teres feito parte do meu passado e ainda me revisitares no presente, neste presente que promete ficar indefinidamente para o futuro.
E tu sonharás comigo, guardarás num minúsculo recanto da tua memória a lembrança da minha existência? Gosto de pensar, de desejar que sim, para me confortar de que o que vivemos teve algum significado, que não fui apenas uma nuvem passageira, num céu, por certo, composto de muitas outras nuvens, mais belas, mais leves ou, por certo, mais permanentes. Nuvens que te protegeram do sol ou que te revelaram a gentileza da sua luz.
Ainda sonho contigo, depois de tanto tempo, de tantos verões, de tantos invernos, depois de tantas águas que deslizaram nos rios, de tantas folhas caídas sobre o solo. Claro que existiram outros sonhos, bem melhores, mas o teu ficou, não me perguntes porquê, essa pergunta já me fiz sem obter resposta.
Todos os meus sonhos tiveram o seu tempo e o seu lugar, acabaram por partir, na hora certa, só o teu ficou... Porque é contigo que gosto de sonhar, de olhos abertos, talvez na esperança de um dia te encontrar, num qualquer, cruzamento da vida. Pergunto-me como estarás, porque na minha mente, no meu sentir, contínuas igual, com a mesma beleza, essa, que só eu conseguia ver em ti, enfim, coisas do coração”, escreve com um suspiro.
“Por vezes ergo o olhar, procuro-te no céu, no vento, por entre as árvores, no espelho dos rios, nas ondas do mar, nas pegadas de areia da praia, mas há outros dias em que caminho com os olhos baixos, não por estar triste, mas porque tenho receio de te encontrar e de não te reconhecer na diferença que os anos te delinearam no rosto, e que depois do reencontro, sempre que a noite chegue, adormeça, sem conseguir voltar a sonhar-te...


sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Post.it: Lá do fundo da infância


Lá bem do fundo da infância há uma criança que me grita em desespero “não te esqueças de mim!”
Mas os dias são longos e as horas carregadas de rotinas impedem-me de te lembrar. Como eras feliz. Sim, porque o eras, só agora o reconheço. Só agora identifico como felicidade o eterno sorriso que tinhas no rosto. Talvez não tivesses grandes razões para essa alegria, mas valorizavas os pequenos momentos e fazias deles os únicos que querias guardar na memória do teu crescer. Passados anos, muitos anos, compreendo agora essa grande lição, a felicidade está em nós, nas pequenas coisas que podemos tornar grandes dentro do peito. Claro que há situações que nos são exteriores e que nos oferecem um fugaz sentimento de realização. Além disso surgem na nossa vida pessoas que nos “alimentam” o ego e elevam a nossa auto-estima.
Mas a felicidade, essa, que almejamos ao longo da existência, vive em nós, na essência do que somos, na capacidade que temos de sobreviver às intempéries e sempre, sempre com o sol no olhar.
Mas lá vem a crise, seja ela qual for, lá vem a angústia de um amanhã desconhecido, o medo de fracassar, o receio de perder cada conquista tão difícil de obter.
Como podemos escutar esse grito que nos chega lá bem do fundo da infância, dessa criança que fomos e que precisamos de continuar a ser, porque só ela nos dá a esperança que precisamos quando tudo o resto parece que se desmorona à nossa volta. Só ela nos permite continuar a sonhar acordados e adormecer na expectativa de que tudo passa, enquanto a criança que fomos continuar a chamar por nós.


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Post.it: Esta vontade


Por vezes tenho uma vontade que me dança no peito e que não parece minha. Uma vontade gritante de chegar não sei onde, de conquistar não sei o quê. De abraçar não sei quem. De recuperar algo que perdi sem nunca ter possuído. De festejar não sei que vitória. De chorar uma dor que nunca senti. De ver lugares que nunca vi. De dizer palavras que não sei. De escrever mensagens que não conheço. De voltar a fazer as promessas que nunca prometi. Por vezes sinto a loucura de partir mas na verdade acabo por ficar. Outras vezes apenas quero ficar e então vou, num voo que me eleva o coração à mais alta montanha. Então, sinto-me a correr dentro do peito, a deslizar infantilmente pelas veias, numa adrenalina que me invade os sentidos e me faz desejar viver, tudo o que nunca vivi. Porque tenho dessa vida o conhecimento, a sensação e a emoção.
Sem saber o que lhe chamar, chamei Saudade, a esta vontade, de ser feliz.


quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Post.it: Quando nos damos conta


Quando nos damos conta já nascemos, já gatinhamos, já caminhamos sobre os dois pés, já nos sentamos nos bancos da escola, já pagamos um bilhete inteiro no jardim zoológico, já temos carta de condução, já temos poder de decisão. Já amamos, já somos amados, já somos felizes ou abandonados.
Quando nos damos conta, já o despertador tocou e não o ouvimos, já o autocarro partiu e nós ficámos, já o fim-de-semana acabou, já o Verão passou, já o ano feito de tantos dias chegou ao fim.
Depois, paramos, procuramos o rasto desse passado, esse tempo que já passou e percebemos que a única certeza temos é de que o tempo nunca faltou, que o tempo não fugiu, que o tempo caminhou ao nosso lado, enquanto nós, mergulhados em dilemas existenciais, não tivemos tempo para viver com tempo, o que o tempo nos dava.
Mas ainda vamos a tempo de conseguirmos fazer tudo o que desejamos, para que um dia quando olharmos para traz, a única falta que sintamos, seja de tudo o que nesse tempo tão plenamente vivemos.


terça-feira, 9 de outubro de 2012

Post.it: O banco vazio


Quantos espaços vazios temos na vida, quantos locais que desejaríamos partilhar, suponho que muitos. Lugares que vamos guardando no peito, recantos que em momentos escolhidos nos acolhem e nos preenchem com um pouco de sonho quando a noite ainda vem longe…
“Quando vejo aquele banco vazio, lembro-me de ti. Não porque algum dia te tenhas sentado nele, mas precisamente por essa tua ausência neste banco, na minha vida.
Acho que ficarias bem no enquadramento da paisagem, esse teu olhar outonal, esse silêncio que me ofereces e que me sabe a repetidos invernos de solidão. Essa solidão que me desenhaste no peito desde o dia em que o meu olhar se cruzou com o teu e num fugaz momento nele permaneceu. Ainda me embala a alma essa lembrança e, um sorriso ilumina-me frugalmente o rosto, porque tenho desse momento, guardada no peito a mais representativa imagem de felicidade que jamais vivi.
E no entanto, o banco permanece vazio, não me atrevo a sentar-me nele, apesar do cansaço do corpo já me fazer esse generoso convite, não me sento, porque sei que esse banco não é meu, e que aguarda o teu regresso. Não sei há quantos outonos aguarda, já os deixei de contar. Sei apenas que são muitos para quem espera, mas poucos se a espera for por ti.”

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Post.it: Aldeias de granito


Aldeias de granito, vibrantes de história, latejantes de vida e em seu redor um silêncio, um silêncio imperial que é apenas entrecortado pelo vento que passa por entre as pedras e nos ecoa um rasto de vastas memórias. No topo o castelo e o que resta da sua muralha que em tempos remotos foi o abraço seguro dos seus habitantes. Tudo para, o tempo que aqui parece infinito, os meus passos e até os pensamentos, só  os olhos se movem e bebem da fonte do saber a verdadeira lição do passado, num caminho para o futuro. Um olhar que se torna quase infantil na sua curiosidade, que corre, que salta cada degrau e delicia-se em cada recanto em cada janela que lhe desvenda a obra que só uma genialidade celeste poderia tão harmoniosamente elaborar.
Os pulmões enchem-se e respiram o esplendor vastíssimo da paisagem, das serras que se sobrepõem uma após a outra para tocar o céu. O contraste dos verdes, que vestem os planaltos e o granito das casas, tão sólido, tão firme que nos faz questionar como chegou ali a tão elevadas alturas para se tornar lar quente e seguro de tantas vidas.
Tento guardar cada detalhe numa câmara fotográfica, mas nem essa dúzia de pixels que a tecnologia criou  consegue transmitir com fidelidade o quadro que a natureza nos oferece. Só esse enlace entre a natureza e o humano absorve e guarda tanta beleza. E num sentir de alegria e tristeza nasce um sentimento de saudade, por saber que a memória é perecível mas a natureza eterna na sua magnificência.