sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Post.it: Tudo depende da verdade


Tudo depende da maneira como as coisas são ditas. A verdade deve sempre ser dita, repetem todos, posso até concordar, mas a forma como se diz é que faz toda a diferença. A verdade é como uma pedra preciosa, se a lançarmos ao rosto de alguém pode ferir, se a lapidarmos pode tornar-se um belo diamante.
Conta-se que havia um Sultão muito feio que não encontrava noiva para casar, um dia finalmente casou, feliz com o matrimónio mandou chamar um adivinho e perguntou-lhe se iria ter filhos e se estes seriam bonitos. O adivinho respondeu que teria filhos mas que seriam muito feios. O sultão ficou zangado e mandou matar o adivinho. Depois consultou outro, este respondeu-lhe com um sorriso, “alegrai-vos meu sultão, terás muitos filhos e todos parecidos com o pai”.
Por isso “A verdade pode tornar-se inconveniente na boca de uns e conveniente no sorriso de outros”. Já que, “Algumas pessoas nunca dizem uma mentira, só se souberem que a verdade pode magoar mais” Mark Twain. Além de que, “ a mentira é apenas a verdade mascarada” George Byron. Podemos talvez concluir que “A única verdade que temos é a realidade”  Aristóteles.  Aquela “Que cada um absorve consoante o seu grau de miopia” Carlos D. Andrade. Mas antes de julgar todas as teorias e todas as verdades o melhor é concluir como Pablo Neruda, “A verdade é que não há verdade”.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Post.it: O filho do meio


Ser o filho do meio não é fácil, dizia-me o meu sobrinho, com o desalento próprio da sua idade (14 anos) pensei numa primeira observação.
Mas talvez seja injusto não lhe ceder um olhar mais atento. O primeiro filho, é o sonho concretizado e, simultaneamente a junção de todos os medos de uns pais na sua primeira viagem de pais. Tudo é novidade e vivido à flor de pele, se o bebé chora é o caus, o que quer, o que tem, o que pode acontecer se não o conseguimos silenciar? Os pais desejam que o tempo passe rápido para que o bebé fale e assim já  possa dizer o que o incomoda. E o tempo faz-lhes a vontade voa, de repente voltam um olhar saudosista para os momentos em que o bebé só comia e dormia. Agora corre tudo, cai, chora, grita, faz birras terríveis, os pais em desespero, telefonam, aos avós, aos irmãos, aos amigos. Depois vem o segundo filho, o primeiro entra numa fase complicada, como todas, já que vão descobrindo, que todas as fases têm a sua problemática. Não há muito tempo para divisão de atenções, ainda bem que o segundo bebé ainda está naquela fase maravilhosa do come e dorme e agora esperam que ela se prolongue por muito tempo. Quando se apercebem chega o terceiro filho, e o segundo que começara a saborear o papel de ser o mais novo vê-se deslocado para o centro. O mais velho, já conquistou alguma autonomia, o do meio sente-se “entalado” não foi o primeiro não recebeu a junção de todos os medos e expectativas, não é o mais novo, por isso não recebe os mimos de ser o último. Porque o último, esse sim, é agora o bebé, numa infância eternizada, sabe-se lá por quantas décadas. Os pais carentes de um caminho a dois criam esse espaço, dividem responsabilidades pelos irmãos, o mais velho, bate com a porta, está a entrar na fase da adolescência, um bebé nos braços é a última coisa que quer a impedi-lo de voar. O do meio, tem mais restrições, ainda é demasiado novo para sair com os amigos, fica em casa, embala o bebé, dá-lhe a papa, muda-lhe as fraldas. No início sente-se envaidecido com essa tarefa, com o reconhecimento de que é responsável, mas depois cresce-lhe um peso no peito, porque algures neste processo esqueceram-se que também ele era criança, que precisava de brincar, brincadeiras próprias da sua idade e não de adultos. Os pais só têm tempo para os problemas do filho mais velho e para mimar o mais novo, o do meio, claro que o vêm mas continuam a delegar-lhe demasiadas responsabilidades, tem que cumprir as expectativas que o primeiro filho não cumpre e, apreciar a infância do mais pequeno, prolonga-la porque sabem que esses momentos não voltam mais.
Mas e o filho do meio? Aquele que ficou “entalado” entre fases de quem cresce e quem nasce. Olho para o meu sobrinho do meio e desejo abraçá-lo, embalá-lo, quero  sentar-me no chão e construir com ele brincadeiras de uma infância perdida, antes que a adolescência o roube de mim e um adulto surja, incompleto no seu trajeto de crescimento.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Post.it: Ser feliz


A felicidade é agora, sim agora. Não inventes desculpas, não adies a alegria anulando-a com a tua negatividade. Não detenhas o teu sentir, não o coloques no barco das esperanças perdidas que anda à deriva algures no mar das ilusões. Não esperes pelo amanhã, vive o hoje. Vive a felicidade mesmo que sozinha, porque também se pode ser feliz sem mais ninguém, desde que estejamos bem connosco. Ou vive-a com alguém, alguém tão especial que cabe plenamente no nosso coração, que o aconchega em todos os seus recantos. Mas não te esqueças que “ninguém é responsável pela tua felicidade, somente tu”.
Deixa de colocar metas para a felicidade, quando crescer, quando sair da faculdade, quando tiver um bom emprego, quando casar, quando tiver um filho, ou dois, se primeiro não trouxer a felicidade prespectivada. Quando ficar mais bonita depois de um tratamento estético, talvez quando os filhos crescerem e saírem de casa, talvez nas férias, na próxima estação, no fim-de-semana, ou quem sabe num outro dia qualquer… amanhã? Hesitas em pedir, em esperar. E porque não hoje? Sim hoje, quem nos garante que a felicidade está no amanhã? Pode estar no agora, no momento em que decides que já viveste muitas destas metas e a felicidade não se cumpriu em nenhuma delas. Talvez descubras finalmente que não foi a felicidade que fugiu de ti, mas tu que a adiaste continuamente. Quando ficaste à espera que ela viesse ter contigo sem que fosses ter com ela. Talvez não soubesses que para isso bastava que lhe oferecesses um sorriso, ou aquela palavra que ficaste à espera de ouvir sem tomares a iniciativa de a dizer. Já te estou a ver pegar o telemóvel para enviar essa palavra, como se lesses neste texto quem sabe a mensagem impulsionadora para dar esse passo. Mais uma vez estás a colocar a tua felicidade noutra meta. Na leitura que precisas de fazer e não do que aqui está escrito. Mais uma vez vais insistir em viajar nesse navio fantasma que trazes do passado com desejo que ele tenha um futuro feliz. Não, não é isso que a felicidade te diz. Ela está à tua espera, neste momento para que a recebas, para que caminhes na sua direção. Ela está em cada passo que dás, em cada gesto que fazes consciente de que é para ela que te diriges e não para sonhos que terminam com o despertar. A felicidade não está além, mas em ti. Só tu a podes viver, sentir e oferecer. Agora sim, podes enviar uma sms, um telefonema ou um email, dizendo que estás feliz e que queres partilhar com alguém essa felicidade.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Quantos rios perdi


Quantos rios perdi,
Sem os levar para o mar.
Quantos momentos não vivi
E que se dissiparam no ar.

Quando o mar ali tão perto,
e os rios tão serenos…
O coração ficou-me deserto
De amores outrora plenos.

Quantos rios perdi
Quantos lagos secaram.
Quantas fontes não ouvi
De bem querer me falaram.

Hoje olho toda a secura
Nem um oásis antevejo.
Quando tive toda a frescura
Na ternura de um beijo. 


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Post.it: Momento outonal


O outono já se avizinha e uma nostalgia invade-nos, não desse verão que está de partida, não dessa primavera que já se despiu das flores, mas de tudo o que planeamos e não concretizámos. Por todas as esperanças que caem das árvores do nosso ser, transformando-se em folhas secas. Contamos cada uma delas, são tantas que aos poucos nos abandonam.
E um silêncio cresce-nos no peito, esse indecifrável momento em que o sol escurece e não é a noite a chegar, mas a neblina outonal de uma saudade secreta que nos dói profunda na alma.
Desse sonho que passou de estação em estação carregado no corpo que já não o consegue levar mais longe. Quem sabe no inverno, grita o sonho numa súplica desesperada, mas a alma já lança um olhar de despedida, a esse sonho que se tornou uma nuvem pesada de lágrimas.
Essa chuva que tenta cair, mas os olhos fechados impedem-lhe a passagem, um pouco de autoestima, sussurra-lhe conselheira uma voz amiga, talvez a da última brisa de verão, ou da última rosa que lhe tenta eternizar a primavera em algum lugar recôndito do seu ser.
Entretanto o outono está à porta, vai  batendo de mansinho sem nos querer magoar. Que fazer? Pergunta o coração ao pensamento, seguir em frente responde-lhe este, incapaz de lhe roubar o derradeiro alento, e acrescenta, talvez na próxima primavera uma andorinha te devolva o sonho de “voar”.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Post.it: O velho e a pétala


Outro dia estava a passear no jardim da Estrela, ao longe ouvi um burburinho, aproximei-me, um grupo de idosos jogava às cartas, ali perto num banco sentado, um idoso fazia questão de manter o recato da sua solidão, olhava para a sua mão como se nela estivesse algo de muito importante, no entanto nela repousava apenas uma pétala de flor. Imaginei-lhe o diálogo que não consegui escutar, entre o velho e aquela pétala.
A última que restou de uma qualquer primavera que não chegou ao inverno, segura-a na sua mão, olha-a e diz-lhe num afago de voz, “também já eu fui flor, belo, vistoso, atrás de mim seguia um rasto de suspiros que deixava pelo ar, orgulhoso, vaidoso até enquanto os deixava cair estéreis no chão. A pétala, repousando na sua mão, parecia atenta, aconchegada naquele contar de memórias. “Sabes, pétala, também o sol já me brilhou na vida, também o luar já me embalou a esperança.  Também eu, pétala de flor, também eu já fui criança, tal como tu já foste botão por desabrochar. Hoje olho-me no espelho, mal me reconheço do que fui, como se o vento me tivesse feito com os entalhes dolorosos do caminho”. Depois, acaricia a pétala com a delicadeza que as suas mãos um pouco desajeitadas lhe permitem. “Também de ti, o vento levou quase tudo, nem sei que flor já foste, imagino-te rosa, que um coração enamorado ofereceu para homenagear o seu amor, adivinho-te malmequer que a espectativa de felicidade fez ansiosamente desfolhar”.
Suspira devagar como se o ar lhe pesasse e nesse suspiro deixa um último desabafo.
“Agora vivo um dia de cada vez, assim “a vida, jamais se cansa”. Porque, flor, sabes bem, como demora até que uma nova primavera nos volte a encontrar, e as pétalas de amor a renascer-nos dentro do peito”. Por fim sorri, um sorriso de despedida.
“Flor, boa amiga, claro que te continuo a chamar flor, mesmo quando te vejo apenas pétala, porque um amigo verdadeiro consegue ver dentro de nós, tal como tu me vês, homem sem idade e não apenas um velho”.
Hesita antes de partir, que destino dar à pétala murcha? Incapaz de se separar dela, guarda-a no bolso do casaco e segue sozinho ou talvez não…

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O meu olhar no teu


Há tanto de mar no teu olhar.
Quanto de deserto há no meu.
Se eu pudesse no teu navegar.
Se tu quisesses perder-te no meu.

Se houvesse um caminho traçado,
Pela mais perfeita constelação.
O encontro há tanto esperado,
No universo onde vive a paixão.

Há tanto de céu no teu olhar,
Quanto de escuridão há no meu.
Que vejo estrelas a cintilar,
Nesse olhar e no sorriso teu.

Há tanto de felicidade no teu olhar,
Quanto de saudade há no meu.
Que desejaria no teu ficar,
Só para nele encontrar o meu.


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Era uma vez... e o sol brilhou

Escondida, no segredo da terra, em silêncio, na quietude do sonho ainda incerto de nascer, foi sobressaltada por uma vontade compulsiva de por fim àquela espera quieta e silenciosa. Sentiu a vontade crescer em si e fazê-la grande. A terra também a sentiu e estremeceu! A vontade e o tremor juntaram-se e ela foi abalada, abanada e empurrada no escuro. Quis agarrar-se, recuperar o conforto do segredo quieto e silencioso. Mas a vontade fez-se maior que ela e o estremecer da terra abafou o seu grito. Deixou-se ir, receosa, temendo o fim, mas curiosa, talvez por adivinhar que seria o início de tudo.
E saiu, para o dia quente de final de verão.
A terra encheu-se de espanto ao vê-la. Não queria acreditar no que os olhos viam. Ouvira outros planetas falarem daquelas sementes, mas não acreditava que existissem.
Ela espantou-se com a quentura do ar, o dourado do chão e o vulto das árvores. Abriu mais os olhos e a luz que crescera no silêncio e na quietude da terra espreitou, piscou, saiu, correu a tocar o ar, o chão, as árvores…
A terra, ainda espantada, começava a acreditar que sem o saber tinha guardado em si, bem escondida, uma semente de luz que nascera para brilhar.
As flores ergueram as cabecinhas, os pássaros e os insetos acordaram e encheram a planície com os seus cantares e a água do ribeiro, de contentamento, saltou de pedra em pedra.
A Terra espantou-se de novo e estremeceu de alegria e esperança, ao ver como o sorriso dela iluminava e dava cor e brilho ao verde das árvores, ao dourado do trigo, ao azul da água, aos matizes das asas de pássaros e insetos e até à pele dos répteis….
Ela olhou a terra, intensamente. E a terra compreendeu que a sementinha de luz seria para sempre a sua vida.
Ela acenou à terra e com um piscar de olhos voou em direção ao alto. O céu abriu-se em azul e as nuvens afastaram-se à sua passagem num aceno carinhoso.
E lá no alto, no cimo de tudo, o sol brilhou!

PS: Há pessoas que nascem com a missão de iluminar a vida dos outros, como um raio de luz. Assim é "Olhares" a quem dedico este pequeno Era uma vez, como presente de aniversário. Parabéns!

Post.it: As nossas metas



Todos vivemos de metas que se vão estendendo para além do estabelecido, a dieta adiada, a arrumação que fica suspensa até um dia sempre diferente no calendário. A decisão retardada até que o inevitável aconteça, talvez alguém a tome por nós. O grande projeto de vida protelado à espera de um incentivo. Aquela compra atrasada com receio dos contornos da crise. A venda delongada porque nem a crise justifica tudo o que se perde. A vida pendurada no balanço de cada momento, diferida para um instante mais propício, prorrogada para que escoe livremente sem que tenhamos de a conduzir, de cavar sulcos, por onde siga no rumo certo. Porque concluímos um dia que não sabemos se o que julgamos certo neste momento não se revelará o mais incerto  no outro.
Mas quando foi que a coisa se começou a complicar?
Talvez, logo no dia em que nascemos. Bem podia ter nascido sob outro signo do zodíaco, quem sabe com outras características mais favoráveis. Ou num berço de ouro, protegida por fadas madrinhas sempre dispostas a agitar a sua varinha de condão para me cobrirem de mimos.
Ou quem sabe, noutro meio ambiente, nas profundezas marinhas, ou no reino animal. E hoje seria uma ninfa lusíada, ou uma leoa espraiada na minha corte de sol africano.
Em vez disso, sou o que sou, herdeira dos meus genes, filha desta terra, desta cultura, deste pessimismo lusitano.
De vez em quando, tento contrariar esta charneca em flor que me invade o peito e, mergulho o olhar na orla marítima para deixar o coração voar, atravessar as pontes e rir dos seus limites, porque as minhas asas não os conhecem e unem todas as margens com laços de amor infinito. Então orgulho-me das minhas células que ainda trazem ventos duma Ínclita geração de navegadores, entro na caravela, estendo as velas  ao vento e grito do cesto da gávea, “estou aqui!”, vestida de coragem, com sonhos que me fazem despertar e adormecer em cada dia, acreditando que conseguirei cumprir a minha meta.
Sem a adiar para outro dia, sem a suspender para uma altura mais oportuna, sem a retardar mais um minuto. Porque o tempo não para e cada segundo conta no relógio da vida.
Essa vida  que nos deram à chegada, para que lhe acrescentássemos um pouco de nós.  Talvez eu não tenha escolhido a vida que tenho, mas a vida que tenho escolheu-me para a representar, para levar mais longe o seu legado de futuro. Todos os anos, celebro-a para me lembrar de tudo o que fiz por ela e de tudo o ela fez por mim, afinal, quer queiramos ou não, estaremos juntas até à meta.


terça-feira, 11 de setembro de 2012

Post.it: Da mão à escrita


Nunca espero pelas palavras, elas chegam sempre com pressa, atropelando-se umas às outras, gritando uma superioridade perante as que se colocam à sua frente. Como se fosse vantagem chegar primeiro, resmungam, a valorização devia vir do conteúdo e não da forma, argumentam.
Mas acabam por se colocar ordeiramente num comboio de frases que se vão estendendo pelas linhas, muitas ou poucas, depende das mãos que as escreve. Quando a dada altura param, não sei se por cansaço ou por ordem da inspiração. Param, simplesmente, desço o olhar para essas mãos que permanecem emudecidas, questiono-as, mas elas já não se movem, como se tivessem cumprido a sua frenética missão, a de escrever, deitar cá para fora algo que estava num misterioso interior. Não sei onde, se no cérebro, na alma, no coração ou se num diálogo desconcertante de células. A verdade é que, de repente, no branco do papel surge uma mancha de texto, coerente ou incoerente no seu assunto, que é apreciado ou abandonado num virar de página, ou, neste caso, deletando das suas vidas, dos seus pensamentos, com um simples clic de mouse ou com um ligeiro toque no ecrã táctil. Talvez com a mesma rapidez com que o escrevi, no entanto, escrever não é só este “parir”. Parir, sim parir, já estou a sentir uma suspensão na respiração de quem me lê, pela crueza quase animal desta expressão, mas gosto de a pronunciar, de sentir esta ligação à natureza no que ela tem de mais puro e essencial. Fico mais maternal e protetora desta,  “filha” banal, gramaticamente incorreta, esteticamente desacertada, literalmente barroca, mas estruturalmente livre, linearmente sonhadora, semanticamente sentimental, foneticamente gritante de amor, de amores, de lágrimas que afloram em olhares que se deixam espreitar nas janelas entreabertas. Por elas pego na caneta, por elas, deslizo nas teclas e desenho contornos de vidas, esboços de rostos, aqui e ali acrescento-lhes traços de esperança e projeto-lhes caminhos de felicidade. Com estas mãos que no seu silêncio são a voz de palavras apressadas, que se alinham à espera de um momento, aquele em que por magia cibernética são encontradas e recebem por um instante o sortilégio da vossa companhia.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Post.it: O Afonso vai para a escola


  Despedida do infantário
 
Convosco aprendi a crescer,
E sei que não me vão esquecer,
Afinal, fui o Rei da traquinice,
E um furacão de meninice.
Mas nem tudo foi confusão,
Espero que lembrem o coração,
Que também foi terno e feliz
E de tudo o mais alegre aprendiz.
Perdoem-me se não fui melhor,
Perdoem o meu entusiasmo e furor.
Entendam e acreditem, por favor
Que à minha maneira, foi amor.

                 * * *

O Afonso vai para a escola, o país para, (ou pelo menos aquele pedacinho do país), fica em suspenso, como vai ser o seu primeiro dia de aulas? Será que vai conseguir ficar um bocadinho sentado, atento? Será que vai dominar o seu olhar saltitante que quer ansiosamente ver tudo o que a vista alcança e sobretudo o que está para lá dessa linha de horizonte? Como adiar, conter, tanta vontade de viver, de correr, de estar aqui e ali, em todo o lado, como se o mundo lhe fosse demasiado pequeno e o dia excessivamente curto para todas as viagens imaginárias que deseja fazer.
O Afonso vai para a escola, repetem os avós com orgulho, os tios com inquietação, os amigos com curiosidade e os pais, ai os pais, com redobrada ansiedade. Quando a porta da sala de aula se fecha, há uma dor de parto longínqua doendo no peito. “Será que podemos espreitar na janela?” Pergunta a mãe em pensamento, envergonhada do seu sentimento de separação, não por receio do que possa acontecer ao seu menino, mas com medo que ele deixe ali, na porosidade daquelas brancas paredes, esquecida, por encanto, a terna rebeldia da sua infância.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O hoje


Nem só o amor dói,
Também dói,
Este existir.

Que vai para tantos lados,
E nos deixa cansados,
Sem saber para onde ir.

Esta espécie de onda,
Que sem ter onde esconda,
Este navegar sem tino.

Apenas deseja um areal,
Quente de sol e de sal,
Para aportar o destino.

E no sopro do vento,
Outrora de encantamento,
Cede-se ao embalo do mar.

Que leva para longe, tão longe,
Cada dia que foi hoje,
Para em ontem o transformar.


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Post.it: Sou o dia que anoitece


Aconchego-me num leito de colinas. O céu escurece para me acalentar o sono.
O sol já se cobriu com o seu manto de sombra. E as horas, num compasso dolente, repetem baixinho, “Está tudo bem, a Terra pode agora descansar.
A penumbra estende-se suave como um rio de silêncio. A primeira estrela espreita no horizonte, olha, estremece e, chama pelas outras que vão salpicando de luz o prenúncio do entardecer.
A lua timidamente, pergunta se pode entrar, não vem sozinha, traz a noite pela mão. Uma noite que ainda se agita desperta e corre por entre a copa das  árvores, escorrega pela montanha e só serena quando um cometa lhe sopra com voz de gente crescida, uma ordem de quietude. Então, emudece o vento, silencia-se o tempo, porque algures no infinito, suspensa na galáxia, a Terra, adormece, no cansaço de ser para todos nós, eterna caminhada.
O meu coração divide-se entre o mar e o céu. O mesmo azul, o mesmo mistério de profundidade, o mesmo infinito. E se o mar me murmura um convite para ficar, o céu, sopra-me um desejo para voar.
Abro as asas sobrevoou-te, salpica-me a tua frescura, mas o céu, ah o céu, eleva-me às estrelas em pleno dia na descoberta do que existe mais além. Então, deixo-me conquistar por cada enamoramento, do céu, do mar, do vento. Preciso da liberdade e do sonhar. Preciso do encontro, da revelação, do infinito e do chão.
Preciso desse sol que me amanhece e do luar que me anoitece.


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Post.it: O tempo não volta


Outro dia estava a fazer zapping no comando da televisão, quando me deparei com um programa que fomentava o reencontro de pessoas que no seu passado tinham namorado e por razões diversas, tinham seguido rumos diferentes. Parei um pouco nesse canal televisivo, assisti aos reencontros com alguma curiosidade. A sensação que o programa queria passar era a de que a felicidade perdida pode ser recuperada, independentemente dos anos que tenham passado. Mas o efeito não foi o desejado. Nesses reencontros, eram visíveis alguns constrangimentos, e muitas decepções no olhar. Constava-se que os jovens de há 40 anos, já nada tinham daquela lembrança que os levara guardar no baú das memórias. O tempo deixara vincado no corpo os caminhos palmilhados. O tempo deixara na alma a amargura das suas múltiplas vivências. Algures pelo longo trajecto da vida tinham perdido, a inocência do sorriso, a ternura dos sonhos e a beleza, não a física mas aquela que só um coração apaixonado vê. Enquanto que a lembrança de cada momento, permanecera ingenuamente emoldurada de esperança. Talvez o tempo nos ensine o que nos recusamos aprender agarrados a uma memória que tentamos insistentemente guardar.
O tempo não volta para trás, porque esse retorno significa, na maior parte dos casos o perder da ilusão com que compomos as lembranças. A perfeição com que vamos retocando aqui e ali esse passado alicerçado de saudades. Aquele programa de Volta ao passado, encheu-me de tristeza por todos aqueles que desejando recuperar o amor perdido, perderam-no duplamente, do seu passado e para o seu futuro. Este reencontro roubou-lhes definitivamente uma parte das suas vidas e deixou-os vazios destas recordações.
É bem verdade que o “tempo une e separa as pessoas” (...) e que “nenhuma força é tão grande para fazer esquecer pessoas, que por algum motivo um dia nos fizeram felizes”. Mas também é verdade que “as águas que passam não voltarão a passar”.
Tiremos de tudo isto uma lição, em vez de irmos atrás do tempo já passado, devíamos ir atrás do tempo futuro.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Post.it: Lar, nosso lar


Onde moram as casas? Aquelas que nos abrem as portas para entrarmos e ficarmos até um dia, sem que esse dia chegue nunca. Mesmo que as janelas nos desafiem a outros voos, que nos criem ilusões de uma nova e bela paisagem, ficamos.
Afinal, não é todos os dias que encontramos uma casa que albergue generosamente as nossas manias, que aceite os nossos caprichos, que encha de sol todas as nossas manhãs e que nos aconchegue no seu conforto todas as noites. É certo que aqui e ali, vai manifestando o passar dos anos, uma parede que estala, um soalho que range, nada que um pouco de atenção e reconhecimento não cure, nada que um pouco de carinho não solucione.
Para quê mudar de casa, só porque esta já não tem a mesma aparência e o encanto das coisas novas que nos atraem com falsas promessas de conforto e felicidade?
Esta velha casa, já conhece todos os nossos segredos, as paredes têm nos seus poros esconderijos das nossas tristezas e das nossas alegrias, o chão nunca se queixa de ser mil vezes palmilhado pelas nossas noites de insónia. O teto que nos abriga condensa o calor da nossa história vivida a dois, as vigas continuam a ser firmes pilares, mesmo quando as nossas dúvidas nos fazem vacilar, quando a inquietude da nossa alma nos faz espreitar outras casas. Descobrimos sempre nelas a falta do seu calor, da sua cumplicidade, do nosso companheirismo, e regressamos, regressamos sempre para ela.


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Atlântico


De todos os amores do mundo,
Aquele que encontrei mais profundo.
Este mar, amante grandioso e terno,
Perante o amor tornou-se pequeno.
 Minha esperança tomou como sua,
Este mar que me deixou a alma nua.
Numa ligação tão perfeita e feliz,
Que só sol mais radiante a diz.
Fui sua noiva de espuma vestida.
Fui sua esposa de amor rendida.
O vento entoou a marcha nupcial,
E serenou-me no peito o vendaval,
A lua foi minha dama de honor.
Quando me deu a sua luz em flor.
A areia foi meu leito de plena união
Onde lhe dei virgem o meu coração.
E o mar recebeu-me, suave,
Ondulante como um voo de ave.
A felicidade é o nosso lar
Entre o céu, a terra e o sonhar…