sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Post.it: Um rosto lê-se

O rosto, essa  tela  de vida  que  surge  despida  perante  nós, não existe apenas para ser pintado mas para ser lido como um livro aberto que nem é preciso folhear, as noites e os dias encarregam-se disso.
Lemo-lo nos silêncios, nas linhas retas e curvas, nas mais ténues e nas mais profundas. Nas frases que saem do olhar. Nas palavras sussurradas que esvoaçam no respirar, como um vento, como um lamento.
Não, não o coloques entre as mãos, não lhes escondas a beleza mais profunda, não te envergonhes de cada ruga, exibe-a para que a possamos tomar como exemplo como lição de coragem. Não feches os olhos, porque precisamos de encontrar neles o nosso caminho, aquele que sabemos que podemos seguir porque tu já o aplanaste para nós. Não voltes o rosto para o horizonte como se fosses voar para bem longe, como se o mar te chamasse para uma derradeira viagem, regressa… Olha-nos de frente, deixa-nos ler na sombra do teu rosto, a possibilidade de uma luz que há de voltar a brilhar.
Um rosto lê-se e, leio no teu, generosidade. Leio-a na gentileza dos traços e descubro quem és, mesmo não sabendo o teu nome, de onde vens, para onde vais. Sei apenas o que o teu rosto me diz, quando me deixas ler nele, o teu coração.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Post.it: Vou tirar férias de mim


Eis um conselho que estou disposta a seguir, porque, sobre os outros não sei, mas reconheço que pode ser “cansativo ter de conviver comigo mesma 24 horas por dia, sem folga nem descanso”,  com todas as minhas “manias, achaques e manhas”. Não há como fugir, penso por vezes. Se fosse um marido, pedia-lhe o divórcio; se fosse um amigo, cortava os laços; se fosse um vizinho, fechava-lhe a porta; se fosse um conhecimento virtual fazia um rápido delete e desligava de imediato o computador. Mas e comigo o que vou fazer? “Não há esperança de escapar (…) da previsibilidade enfadonha”.
Quando li a sugestão, pensei, e porque não? Mas como todas as férias é, necessário planear o que fazer e nem sei por onde começar.
A sugestão do artigo dava algumas dicas: Aprender por modelagem. Observar, absorver, ensaiar, aprender. Tudo isto me pareceu uma brincadeira do faz-de-conta. Por uns momentos viajei para o passado, quando fazia de conta que era cantora e improvisava um palco com a plateia repleta de primos, não me saia nada mal... Mas acho que não tenho futuro nessa área. Depois lembrei-me que tinha sonhado noutra altura que era acrobata de circo, mas a carreira durou pouco porque caí e parti um braço.
Lembrei-me então do tempo em que tentava imitar os adultos, não aqueles chatos, enfadonhos, mas os outros, aqueles que tinham sempre um ar de felicidade estampada no rosto e pensava num raciocínio ainda mal organizado, “quando for grande também quero ser assim, também quero ser feliz”. É isso! Isso que quero fazer nestas férias longe de mim, calar os queixumes, desligar-me das maleitas e fingir, fingir que sou feliz….

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Post.it: Dom cidadão


Não tinha dom no nome mas na alma, sempre correto, cavalheiro, delicado no olhar, terno na voz. Nunca lhe ouvi um impropério mais agreste, nunca lhe conheci um tom mais azedo, nem um decibel mais alto do que o habitual. Sorria-lhe constantemente o rosto de faces alvas, como se o sol não o bafejasse com o seu doirado. Trajava com recato, “já não tinha idade para exuberâncias”, caminhava discreto como se não quisesse ser interpelado, e no entanto quando o cumprimentavam retribuía com um gesto de elevada gentileza e quase deferência. Dizem que vem de finas linhagens, que nasceu em berço de oiro, mas contínua discreto, sem fazer alarde de riquezas ou queixumes de pobreza.
Quando se cruza com uma briga, afasta-se com o sorriso condescendente, “que linguagem, que palavreado”, murmura a meio tom de voz. Provocam-no, espicaçam-lhe a sensibilidade, mas continua a sorrir, não porque não saiba responder, mas por não encontrar sentido na resposta.
Para quê atirar farpas de oralidade, ondas encadeadas de termos vãos, pedras de substantivos desadequados, com o intuito de magoar, ou com desejo de ferir, “não sabem eles que a fúria é como o álcool, aquece no momento mas depois deixa-nos uma enorme ressaca no peito? Com a desvantagem que a ressaca advinda do  álcool passa em poucas horas, no entanto, as ofensas podem ficar como uma sombra magoando-nos por toda a vida”.
Não tinha dom no nome, nem precisava, porque possuía nobreza no carácter, aristocracia no civismo, fidalguia de cidadão e  dignidade humana.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Post.it: Superstição ou talvez não


Supersticiosa? Eu? Cruzes canhoto! Longe de mim tal ideia, dizemos como quem enxota os ventos do mau agoiro.
Mas quem é que admite que vacila com receio que a  ténue  linha de fonteira que separa  a sorte do azar , quem admite que apesar da sua fé, não bate na madeira, e se deixa cair facilmente na crença ou descrença?
 Porque como se costuma dizer “Não acredito em bruxas, mas que las ai, ai” E isto não é só para os nossos vizinhos, de onde dizem,” não vem bom vento nem bom casamento”. Seja como for é melhor não brincar com a sorte para não atrair o azar., palavra que uma amiga minha eliminou definitivamente do seu dicionário, substituindo-a por má sorte. Não vá atrair ventos contraproducentes.
Os mais cépticos, riem de tudo isto e dizem que são meras superstições, convicções, crendices, energias negativas, etc.
Seja o que for, cada um tem o direito de acreditar no que lhe aprouver. Porque isso faz parte da sua herança cultural, de histórias que lhes contaram em criança. Desconhecendo que a verdadeira intenção de muitas destas histórias seria certamente refrear-lhes as traquinices. Histórias que adquiriram raízes na memória, e sem perceberem,  começaram a deixar em cada um de nós, recantos sombrios no espirito. Cantos, onde por vezes, é difícil entrar o sol racional. E lá vamos abrindo as revistas em busca da secção dos horóscopos, das cartas do tarot, consultando as linhas da mão, questionando o oráculo…
 Supersticiosa? Eu? Bom, não sei, porque no fundo, bem lá no fundo, acredito que “há muito mais entre o céu e a terra do que a nossa vã filosofia alcança”.  E que ” O coração tem razões que a razão desconhece”, mesmo que o “pai dele me dê azar”.
 O melhor é abrir as janelas da alma, arejar os pensamentos e deixar que toda a negatividade siga para bem longe num sopro vento.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Post.it: O tempo e esquecimento


“Nunca te questionas sobre os encontros e desencontros da vida, nas suas causa e consequências? Porque todos eles são importantes, são eles que nos levam mais adiante, que nos ensinam a crescer dentro de nós. É por isso que me questiono, para que nenhum encontro seja esquecido e nenhum desencontro se transforme num muro mas antes num caminho…”
Talvez nunca te tivesse encontrado se não te tivesse procurado, se não me tivesses buscado, não importa em que momento, em que lugar entre o sol e a lua.
Mas foi bom, reconheço que na verdade foi bom, como o são todos os encontros que nos fazem renascer, voar na expectativa, flutuar em nuvens de esperança.
Mas se não te tivesse procurado e encontrado, também não te teria desencontrado, não teria partido desse cais temporário onde por um momento atraquei o navio da minha vida, por um instante que me soube a pouco porque sempre desejamos muito, muito mais.
Mas porque as asas do destino já se estendiam ao vento, obedeceu-lhe o coração, seguindo em frente com o olhar preso na direção oposta, num local que nos fica cada vez mais longe.
Qualquer dia, sussurra-nos uma voz no pensamento, na tentativa frustrada de calar a voz do sentir que ainda nos avassala as emoções, qualquer dia, repete, esquecerás… Daqui a muitos meses, anos, quem sabe daqui a um século, já riremos de tudo isto sem chorar por dentro. E a dor ter-se-á transformado numa flor que vai perdendo os espinhos.
Apaziguada, sei que, quando te esquecer, terei aprendido a “amar-te com a ternura que só o tempo é capaz”….

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Post.it: Daqui a 5 mil milhões de anos


Uma estrela devorou um planeta”, mas continuava a notícia do matutino, “tal fenómeno vinha confirmar a teoria dos astrónomos de que o planeta terra poderia vir a conhecer idêntico destino daqui a cerca de 5 mil milhões de anos”, isto se a nossa pesada pegada humana não antecipar este desfecho.
Confesso que fiquei deveras preocupada com esta possibilidade, porque segundo as minhas contas posso estar por essa altura numa das minhas (reencarnações). Que me desculpem os fervorosos crentes destas teorias mas não devemos levar demasiado a sério estas questões, correndo o risco de nos prendermos excessivamente a elas e não exercermos o nosso livre arbítrio. Mas voltando ao fio da meada, dizia eu, que poderia estar nessa altura numa das minhas passagens por cá e, fazendo jus a filosofias ancestrais, talvez esteja a seguir o ciclo de purificação e aperfeiçoamento. Como costumávamos brincar nas aulas de Filosofia do 10º que os apresentava através de uma lógica em que colocava o reino vegetal na base, sendo, por conseguinte, o mais insignificante, ascendendo depois para o reino animal. Perante isto reconheço que passarei de rabanete, vegetal que o meu paladar rejeita, evoluindo, quem sabe, talvez para pulga, gato, cão, etc., passando depois para mulher e se tiver sorte (ainda segundo os antigos filósofos) ascenderei a homem. Mas como sou uma pessoa de fortes convicções, acredito que entretanto, depois de tanta tentativa e erro, teremos encontrado a solução, para não sermos devorados por uma estrela, mas para nos transformarmos numa, não tão quente reluzente como o sol, mas com similar beleza. Que irá finalmente iluminar o rumo da humanidade em plena harmonia com a natureza e todos os outros seres que nela habitam. Só espero não termos que aguardar 5 mil milhões de anos…

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Post.it: Fingimento


“Talvez diga que não, talvez finja que já não me importo. Tens razão, finjo mal. Embora tente, insista, ainda não cheguei à perfeição. Tu sabes bem porquê, afinal, também finges. Finges que ficas, quando já partes. Finges que entras quando já cá não estás. Na realidade, fingimos todos, em algum momento da nossa vida, aquele em que garantimos que já esquecemos, que juramos a ‘pés-juntos’ que já não dói. Mas dói. Dói sempre esta dissonância do tempo individual, quando para nós ainda é cedo e para os outros, talvez, já seja tarde demais.
Digo que não sinto, não penses que minto, apenas, finjo. Quem sabe um dia destes esse sentir depois de se esconder durante tanto tempo nas profundezas do meu ser, esqueça-se definitivamente do acontecimento que o causou, esqueça-se definitivamente de ti.
Porque aos pouco vamo-nos habituando a acumular ausências, a esquecer lembranças, derrotas que assimilamos até já não sentirmos a sua amargura a sombrear-nos os dias e a assombrar-nos as noites.”
Até lá, não vamos mentir, vamos simplesmente continuar a fingir, a fingir mal dizem uns, a fingir bem, porque os outros nem notam.
 Até lá continuaremos a dizer que é um sorriso e não uma lágrima, aquela gota cristalina que nos espreita sorrateira por detrás de uns óculos escuros que nos esconde o olhar. Esse olhar que vai fingindo, uns dias bem, outros dias mal…


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Post.it: Todos os lugares


Já fui a tantos lugares. Novos, velhos, diferentes, iguais. Procurei em todos eles um caminho, uma certeza. Procurei em todos eles a essência do que sou, mas não me encontrei. Percorri-os com coragem, percorri-os com expectativas. Parti cheia de esperança, cheguei carregada de desalento. Olhei cada lugar com olhos de promessa,
Quis que fossem o meu destino, que me construíssem, que me fizessem renascer. Desenhei neles a sombra dos meus passos, mas, ao despedir-me desses lugares, verifiquei que não ficava neles nada mais do que uma pegada de lembrança.
Já estive em muitos lugares e depois de lá ter estado percebi que o único elemento de semelhança em cada um deles, era o meu eu, perdido, algures nessa imensidão de espaços. Eu, que me levei inteira, de sonhos, de memórias, de boas e más histórias.
Estive em muitos lugares, tantos que a certa altura todos eles me pareciam iguais. Fui  percebendo então que,  não eram eles que eram iguais, nem sequer semelhantes, eu  é que ao chegar a cada um deles,  permanecia tal como era,  imutável no espaço e no tempo.
Por fim parei, já não quero ir a outros lugares, porque vá para onde for, continuarei aqui, dentro do meu existir a correr, em busca de uma saída, de uma forma de ser feliz. E como essa felicidade não está em lugar algum, decidi construi-la no peito, esse lugar que depois de ter viajado por tantos outros me fez entender que o único que me realiza, que me concebe há tantos anos permanece afinal em mim…

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Post.it: O colecionador de desertos


Nunca estive no deserto, nem sequer naqueles dias desertos de acontecimentos porque surge, sempre algum oásis que me afasta dessa sensação e vem dar-me alguma frescura e sombra ao passar das horas.
Mas a impressão que tenho quando penso num deserto é de vazio. Esse vazio que encontro em alguns olhares, aqueles que me olham sem me ver, que se fixam nos meus olhos sem os refletirem, há neles uma imensa escuridão que nenhum sol consegue iluminar.
Bem sei que de vez em quando todos atravessamos desertos interiores. Travessias que nos são dolorosas, que tornam penosos os passos, cansados de um caminho sempre igual e sem o vislumbramento da meta. Cresce-nos dentro do peito  uma sede que nem a mais cristalina água consegue saciar, porque é sede de sensações, de serenidade, de harmonia, de amor…
Mas aquele rosto distingue-se dos outros, pelo deserto da expressão, pela secura da voz, pelos passos perdidos, pelas mãos vazias, pela aridez do coração, prende a minha atenção, e no silêncio que me oferece ouço claramente a voz da sua alma cansada de desertos que me revela histórias de uma longa jornada,  “já atravessei desertos, muitos desertos, desertos de amor, da falta de alguém, da falta de saúde, de dinheiro, de alento, de abraços, a cada passo ambiciono que seja o último, mas há sempre outro a seguir, como houvesse uma força que me empurra a seguir em frente em busca do final deste meu deserto”.
Nenhum deserto nos derrota, quando vivemos na antecipação de um milagre, essa chuva ocasional que nos lava o pó da caminhada e nos inunda de esperança. Uma esperança que não nos chega a formar um oásis no peito mas que o deixa enunciado num sopro do olhar, afinal, sabemos que  nem os desertos são infinitos e, não devemos permitir que a vida nos escoe por entre os dedos.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Post.it: Somos mar


Todos nós somos mar. Com tempestades de caos que nesse breve instante nos faz sentir a duração de uma eternidade, com marés que chegam sem prévio aviso e transbordam a dolência das manhãs ou alagam a ternura das tardes. Com ondas que podem ser um embalo de acalmia ou subirem vigorosas no desejo de tocar o infinito do céu.
Todos nós somos mar na viagem incessante dos dias e nele remamos para contrariar o destino que nos leva para onde não queremos ir.
Todos nós somos mar, na procura incessante de um cais para atracar a dor e aí encontrar a paz, a certeza de que esse é o nosso lugar, ou em busca de uma enseada onde ancorar a vida por um tempo que não obedece ao mecanismo do relógio, nem à luz solar ou à sucessão das estações mas ao querer desse mar que habita castelos de areia.
Todos nós somos mar, quando ele nos corre na alma e inunda de água salada o nosso longínquo olhar. Quando nos desliza nas veias sentindo o contorno das margens que podiam ser um abraço mas que se tornam uma asa de vento que nos entra e sai levianamente do coração.
“Quando visitamos o mar reencontramos nele o reflexo do que nós próprios somos”.


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Post.it: O despertar da preguiça


Quando o dia amanhece e nada nele promete uma nova luz. Ergo os olhos, porque o corpo demora a obedecer às ordens do relógio que não para de tinir sobre a mesa-de-cabeceira. Bem tento repetir essa ordem ao corpo, mas é fraca a voz de comando, apenas um sussurro no pensamento que não chega a incomodar o mais preguiçoso neurónio. Esse neurónio que pede incessantemente, um perpétuo adiamento, com a mesma desculpa de sempre, só hoje, amanhã, prometo, vou levantar-me na hora certa. Amanhã vou encarar a madrugada, atravessar nesse mar de gente, arregaçar as mangas e pegar nas pilhas de documentos para ler e arquivar. Afinal, são só papeis, nada de urgente, não vou salvar vidas, não vou conquistar o mundo nem lutar pela ecologia devido a algum derramamento de petróleo no mar.
Hoje não estou preguiçosa diz-me a inconsciente consciência, não penses isso de mim, estou apenas doente, dói-me a alma, enquanto que o anda coração descompassado e as células dormentes…
Alheia à minha suplica uma centelha de luz invade-me o quarto, como se o sol, qual pai tirano, me obrigasse a encarar o que teimo não querer ver.
Até o vento me bate na janela com uma pressa avassaladora, enquanto que  o despertador na estação de começa a transmitir uma música frenética num convite quase irrecusável para entrar no ritmo. Um pé começa a agitar-se, depois outro, sobe pela coluna, estende-se até aos braços, desenha-se sorridente no rosto, esvoaça nos cabelos “I feel good”, lá vou repetindo o refrão I feel good that i woud now, so good, so good
Não me sinto lá muito “good”, geme o espirito num queixume que já não ouço, já sei que se sente doente, que lhe apenas doente, dói-me a alma, que o anda coração descompassado e as células dormentes…
Mas que importa tudo isso se a manhã já espreita, como uma menina alegre, desejosa de fazer travessuras. Por fim salto da cama e sinto a vitória de  mais um dia conquistado à noite.
Quanto a amanhã, amanhã veremos, se a preguiça não me vem novamente visitar…

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Post.it: O livro que escolhi


Se tivesse que escolher um livro, seria difícil de eleger qual. Seria mesmo impossível selecionar apenas um, quando muitos já me acompanharam ao longo da vida, na pasta da escola, na lancheira do almoço, na viagem do autocarro, debaixo do braço, na relva de uma tarde, na duna de uma manhã, em todas as primaveras que floriam nas frases lidas, em todos os invernos cujos ventos ansiosos viravam rápidos as folhas na antevisão do final. Se tivesse que escolher um livro, talvez escolhesse aquele que me ofereceste e que nunca abri, com receio de ler nele, antecipadamente, todas as palavras que o teu olhar já distante me revelava e que eu fingia não entender. Ou aquele que ainda acaricio a lombada com o olhar, porque continua a adormecer na minha mesa-de-cabeceira, mesmo depois de já o ter lido inúmeras vezes. Ou ainda aquele outro, que te lia todas as noites,  quando te contava histórias para adormeceres e sonhares com um mundo perfeito, cheio de grandes heróis, fortes e imortais.
Se tivesse que escolher um livro, escolheria certamente  este que guardo escondido na alma, o meu diário, o livro da minha vida. Não considerem vaidade esta escolha, que de tantos livros preferira este, especialmente este. Bem sei que não será o mais belo, nem sequer terá conteúdo para se tornar num best seller, talvez lhe falte a história de um grande romance, talvez lhe falte a concretização de um sonho. Não terá grande argumento, mas para ser o melhor livro que já conheci, falta-lhe, sobretudo,  um happy end.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Post.it: Dia do Canhoto


Recordando o dia 13 de Agosto, dia Internacional do Canhoto, com um dia de atraso, ou talvez não, porque todos os dias deviam ser, o dia do Canhoto, dia do Pai, dia da Mãe, dia da Criança, dia de Natal, dia da Água, da Floresta, etc.
Mas voltemos ao dia dos Canhotos. Refere um estudo inglês, que 10% da população mundial é canhoto mas, que devido à discriminação essa proporção era apenas de 3% no início do século 20.
Contudo convém reafirmar que não são diferentes dos destros ou que se houver alguma diferença, não é maléfica como o consideravam em tempos que já lá vão (felizmente). Mas que não foi assim há tanto tempo (infelizmente), porque ainda o senti no meu crescimento já que era e continuo a ser, a única canhota na família. Sem perceber a causa, apenas o efeito, lá ia passando por castigos que pretendiam inverter aquilo que me queriam fazer sentir como um defeito.
 Hoje, já sem esse estigma, olho com orgulho a evolução das mentalidades. Alguns estudos recentes indicam algumas curiosidades relativamente às características dos canhotos; referindo que efetuam uma transferência de informação entre os dois hemisférios e que por isso esta processa-se de forma mais rápida do que nos destros, ou que os canhotos prestam mais atenção aos detalhes, porém sentem algumas pequenas dificuldades de avaliação a nível espacial (talvez por isso vou esbarrando com os obstáculos que se me apresentam sem dar conta deles). Que somos melhor no desporto (por isso vou ginasticando os neurónios). Mais ágeis em jogos virtuais, e com destreza em teclados pela rápida localização das letras. Acrescentando ainda que desenvolvemos mais cedo a linguagem devido a bilateralidade do nosso cérebro. Mas que no essencial somos iguais aos destros, com a grande diferença de que termos um dia especial, só para nós. Um dia que ofereço a todos aqueles que levaram o talento dos canhotos mais longe, não sei se por o serem, ou por humanamente se terem tornado, especiais, são eles: Aristóteles, A. Einstein, Benjamin Franklin, Bill Gates, Franz Kafka, F. Nietzsche, Judy Garland, Júlia Roberts, Leonardo Da Vinci, L. Beethoven, Mahatma Gandhi, Marie Curie, Napoleão Bonaparte, Nicole  Kidman, N. Paganini, P. Picasso, W. Amadeus Mozart, entre muitos, muitos outros.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Este é um blogue de...


De prazer,
e de lazer.
De sonhar,
e de acordar.
De concordar,
e de discordar.
De ler,
e de escrever.
De nós
e de todos  vós.
De quem permanece,
ou esquece.
De qualquer estação,
e do coração.
De sorrisos,
e de quase paraísos.
De mágoas,
e de algumas águas.
De viagens,
e de aterragens.
De partir,
e tornar a vir.

Do teu viver,
do meu ser.
De amigos,
e de entes queridos.
De amor,
sem espinhos de flor.
De ternura,
e alguma loucura.
De fracassos,
e de muitos passos.
De vitórias,
que deixam histórias.
De visitas,
e de conquistas.
De chegar,
e de ficar.
De visitar,
e talvez retornar.
De liberdade,
e de saudade.
De oferta,
de uma janela aberta.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Post.it: Os meus heróis


Até os grandes heróis são homens com defeitos” dizias-me, quando eu teimava em acreditar que ainda havia pessoas boas. Enquanto insistia em fechar os olhos e abrir o coração. Já me roubaram tantos sonhos, não me roubariam mais nenhum gritava com  cada molécula do meu seu. Porque se ficar sem heróis, quem irá salvar-me dos meus medos, das minhas incertezas? A quem vou contar os meus segredos. Quem irá resgatar-me das más escolhas, que “sapatos vou calçar” para sentir que caminho no rumo certo. A quem posso contar as minhas alegrias, onde vou aconchegar os meus fracassos?
 Não, não vou permitir que me roubem os meus heróis. Mesmo que tenham defeitos, não os vou ver. Porque preciso deles sólidos, firmes, cheios de sabedoria. Recordo-me de todos o que já conheci, os que ainda conheço…
 Os avós na tranquilidade dos seus cabelos brancos, os pais estendendo-me a mão, os irmãos caminhando ao meu lado, os amigos que são uma porta sempre aberta.
Têm defeitos? Talvez os tenham, mas que me importa, compensam com maiores virtudes. São humanos? Ainda bem, de vez em quando necessito de um abraço quente e terno.
Porque de vez em quando preciso de um herói…


quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Post.it: Fronteiras


A fronteira delimita uma área administrativa, autónoma na sua história, na sua política, economia e cultura… emoções e formas de existir.
A fronteira estabelece uma cisão no caminho, um marco que podemos transpor, uma meta que podemos ultrapassar… um passo dado nessa direção.
A fronteira pode ser marcada por uma ponte, uma estrada, um muro, uma montanha… uma ténue linha de vontades.
Ficamos por detrás da linha, como se ela fosse um obstáculo intransponível. Erguemos barreiras que crescem para o céu, numa tentativa de o cindir. “Esta parte de azul é minha, preciso dela para estender os meus pensamentos nesse areal de estrelas”. Mas o céu não conhece fronteiras, nem línguas, nem cores, nem guerras, o céu cobre com o seu manto de paz todo o universo.
“Quero o sol, fica tu com a lua”, grita um sentimento de posse, de quem nada tem para agarrar de seu. Mas o sol sobe mais alto, foge-lhe do olhar e exibe a sua liberdade. A lua esboça um sorriso, também ela não nos pertence. 
Fecha os olhos, a única fronteira que consigo construir dentro do peito, afinal, “olhos não veem, coração não sente”. Abre-os de imediato, precisa de ver, de deixar a vida entrar-lhe pelas pupilas ansiosas desse “ar” que só a visão consegue absorver.
O coração como um sol ergue-se num suspiro, a alma como uma lua aconchega-se no peito e o céu da sua pacificação faz resplandecer a estrela do seu sorriso.
Não existem fronteiras, só aquelas que colocamos entre nós e os outros, aumentando a ilha da nossa existência.


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Post.it: A ciência da vida


“Não domino nem a vida nem a ciência, sou completamente empírica” Adotei esta frase porque me serve como uma luva.
Tenho que experimentar, tenho de cair para aprender a levantar-me, tenho que me magoar para aprender a tratar das feridas. Já me disseram inúmeras vezes que “gato escaldado de água fria tem medo”, mas na minha teimosia ou irreverência, respondo que os gatos têm 9 vidas e que ainda estou longe de atingir esse limite.
Cedo demasiadas vezes à química e acabo magoada na física. Sem entender a razão, lá vou insistindo em combinar células, unindo protões e neutrões, indiferente aos conteúdos positivos ou negativos. O problema é que acabo muitas vezes com os átomos cindidos numa espécie de explosão nuclear interna. De imediato ocorrem salvadores os bombeiros lagrimais que inundam pacotes e pacotes de lenços de papel. Até ao dia em que as moléculas estabilizam e o sol volte fazer com que funcione a fotossíntese primaveril para alegria de toda a biologia.
Confusos? Também eu, mas como vos disse no início, não domino a ciência, nem a vida. Por mais que contabilize anos de uma aprendizagem permanente, é bem verdade que não primo pela assiduidade e menos ainda pela pontualidade. Confio na benevolência da vida, no reconhecimento da minha persistência. Quem sabe até recebo um dia uma medalha de mérito pela perseverança ou um diploma pela tenacidade. Porque é no laboratório diário de experiências que construo o meu viver e, salvaguardando alguma distância razoável, espero encontrar por entre erros e certezas, por entre explosões e implosões, a fórmula mágica para ser feliz. Uma felicidade, que se não for eterna para a infinitude do universo, o seja na finitude da minha existência.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Post.it: Lugar-comum


“Sou um lugar-comum, eis o que se me apraz dizer sobre a minha pessoa. Mulher cheia de queixumes, cada vez em maior número, porque a idade não perdoa, quando aqui e ali o ‘caruncho’ vai conquistando território. Vivi os meus dramas, chorei os meus rios, bom sejamos verdadeiros, assemelharam-se mais a mares, não, não te rias, já sei o que quer dizer esse sorriso, está bem, rendo-me foram, oceanos. O que queres, tenho as lágrimas à beirinha do coração. Sou uma viciada no amor, pelo marido, pelos filhos, pelos netos, pelos amigos até pelos estranhos que me tocam a alma e me fazem sair pela noite fora, distribuindo comida, cobertores ou apenas afeto.”
Quando a olho, reconheço-lhe, mais muito mais do que uma descrição aparentemente amarga, algo de diferente, algo que me prende a atenção. “Mais uma ruga?” Riposta no seu humor jovial, confundindo-me com um sorriso de quem já nada teme. Sim, talvez seja uma ruga, essa marca profunda que me diz algo de novo sobre o seu caminho. Com se o rosto nada mais fosse do que um quadro onde o tempo foi rabiscando esboços que ganham expressão e vida. “Gentileza tua, encontrar no declínio dos meus dias tal encanto, tal beleza que te prenda o coração por esse singular laço que é a amizade”.
Se soubesse usar a magia das palavras, se eu tivesse o dom de as oferecer como se fossem flores oferecia-lhe uma primavera, para que fosse apenas sua, e que nela permanecesse indefinidamente sem sentir a dureza das outras estações. Porque já as conheceu todas, demasiadas vezes.
Como não tenho semelhante dom, resigno-me a manter um silêncio constrangedor na esperança que o sinta com respeito e ternura. Um silêncio que lhe quer assegurar uma certeza, “Quando os dias declinam, erguem-se os encantos da noite”. Pessoas assim, nunca serão um lugar-comum, mas antes um lugar onde nos sentimos bem em estar e regressar o mais breve possível.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Post.it: A concha vazia


Esse olhar, que só o mar tem, invade-me o peito, inunda-me a alma e deixa-me a navegar sem destino certo para ancorar. Esse olhar que só o mar tem, procuro-o em outros olhos, sem nunca o encontrar.
Os anos dissolvem-se na maresia do meu ser. Dispo-me dos sonhos de areia, aqueles que o teu ondular trouxe e levou de volta sem aportar no meu cais.
 “Se tu quisesses…” dizias num cantar de onda, num tom de promessa que nunca cumpriste. Mas a cada momento em que a repetes, estremeço, vacilo, deito-me no vento e entrego-lhe a direção do meu caminho, para que me venhas soprar ao coração as palavras que há tanto tempo espero ouvir.
Mas enquanto os teus passos deixam pegadas incertas no meu viver, lanço-te uma última súplica, um derradeiro suspiro a esse oceano que me estendeu os braços, mas nunca ficou o tempo suficiente para me abraçar. Mesmo quando, por ele, amaciei o mais extenso areal, quando lhe ofereci dunas de paixão.
 Esse olhar que só o mar tem, é que me faz regressar.
Ainda que permaneças viajante na praia deserta onde apenas sou uma concha vazia a ressoar palavras de amar que se estendem contínuos, pelos murmúrios do teu mar.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Post.it: O meu lugar

Eu tento, juro que tento. Dobro e desdobro o mapa, viro-o para a esquerda e para a direita, chego a perscrutar-lhe o verso e nada, não encontro esse lugar. Talvez ele não exista como localização no mapa, talvez não esteja contido numa simples folha de papel. Talvez quem elabora os mapas não saiba onde fica. Talvez e, apesar da sua importância seja minúscula e sem aparente interesse.
Ainda tentei investigar através das novas tecnologias, quem sabe o Google maps indique a sua localização, afinal esta aplicação permita uma aproximação e um aumento dos pontos mais pequenos e dessa forma possa indicar-nos a maneira de lá chegar sem nos perdermos por cruzamentos ou corrermos o risco de cairmos nos precipícios.
Mas nem este sofisticado meio de orientação consegue mostrar-me esse local.
Perante o desalento, começa gerar-se um burburinho á minha volta, uns querem ajudar, outros apenas questionar, “Mas afinal que local é esse? Dizem num tom de quase impaciência, “O meu lugar, o meu destino” Respondo com desânimo. “O teu lugar? Repete o vento quando todos os outros já desistiram de acompanhar o meu périplo, desiludidos por certo com a insignificância do assunto. “Sim o meu lugar, aquele onde sinta que pertenço”. O vento dança por entre os ramos das árvores e faz tilintar uma jovial gargalhada. Estremeço, será que nem o vento entende a importância do que busco? Será que ele desvaloriza e ironiza a minha mágoa? Mas a brisa que me acaricia o rosto mostra-me de imediato que não é assim. E a resposta vem firme na doçura bailante do seu sopro, “Talvez já tenhas encontrado esse lugar”. Incrédula abro mais os olhos, tento ver em redor. E numa muda interrogação espero a explicação do vento. “Este é o teu lugar, podes não gostar muito dele, mas é o teu. Se não é perfeito, cabe a ti torna-lo melhor”.
Por fim entendo que a minha busca chegou ao seu termo. Percebo que apesar de ter levando muito tempo na procura, não foi tempo perdido. Foi um tempo de aprendizagem, porque não adianta chegar cedo sem a lição assimilada. O relógio da vida está sempre certo e é pontual. E o vento que “falou” comigo, foi a voz serena do que a alma contém quando a conseguimos “escutar”…



quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Post.it: Verdadeiros tesouros


Povoamos o mundo com  inutilidades, daquelas que não dispensamos, que temos que comprar num impulso imediato, num gesto triunfal e que depois colocamos num qualquer canto da casa,  definitivamente esquecidas.
Confesso que sou membro desse “clube”, “ou não fosse ela mulher”, dirão os homens com  ironia acutilante. Mas a verdade é que embora me assuma consumista de frivolidades, o sou cada vez menos, não só pela crise, mas porque,  não tenho  necessidade nem nunca tive,  de adquirir ‘coisas’ só por adquirir. Mas conheço pessoas assim que acumulam “tralha”, porque a dada altura no longo percurso de uma vida, os objetos vão ficando descontextualizados no espaço e no tempo. Para que guardas tantas coisas? Pergunto-lhe já cansada de esbarrar com  as imensas bugigangas. “Sei lá, acho giro, são coisas com histórias, são objetos que compro porque me enchem o olhar, são coisas que me dão com tanto carinho, como me vou desligar delas?”
É esta a histórias das inutilidades, o percurso que já fizeram até às nossas mãos. Inúteis para quem as olha e nada sabe o que as levou a chegar aqui e a permanecer.
“É bem verdade que quando um dia encetarmos a longa viagem nada disto poderemos levar, mas enquanto o navio não parte, ficamos no cais, a acariciar com o olhar cada objeto que já nos tocou o coração.” Rendo-me a esta confissão, olho cada objeto com um novo olhar e “rezo” para não tropeçar em nenhum deles e destruir a sua memória..
Porque afinal não são um mero acumular de “tralha” mas um acumular de carinho, uma coleção de atenções que nos ofereceram e que nós retribuímos talvez com outras tantas “bugigangas” que pretendem ser uma partilha de gratidão e de emoções. Povoamos o mundo com aparentes inutilidades ou melhor, com verdadeiros tesouros.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Post.it: Inspiração


Como escreves? Não entendo a extensão da pergunta, nem tão pouco porque isso ainda suscita alguma surpresa. Mas repete-a, “Como escreves da forma como o fazes?”
Que lhe dizer? Encolho os ombros, esboço um sorriso de plácida ignorância e um silencioso pedido, “não me perguntes o que não sei”.
Gostava de saber o que responder, de encher o teus ouvidos com mágicas teorias assentes nas mais sólidas técnicas cientificas da escrita criativa e emotiva, se é que esse é o meu género literário, dizem que sim…
Mas a verdade é que por receio de te desiludir, mantenho o meu silêncio. Depois procuro uma solução mais consistente, olho-te nos olhos, firme, sem pestanejar, talvez assim te convença de que existe na minha explicação ausente, um rasgo de inteligência. E desta forma, nunca venhas a saber, que não escrevo, que escreve o vento em mim, que és tu quem me desperta as palavras.
 Que todas as vidas me são sementes e preenchem de flores a aridez vazia da minha. E calo no meu silêncio o receio que  um dia, finalmente, confirmes, que sem ti, nunca escreveria…