segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Post.it: Um minuto no teu olhar

As coisas acontecem porque têm que acontecer, nada tem de científico, nada tem de filosófico, talvez nem religioso, num destino que nos antecipa e escreve-se para além da nossa vontade. Coincidências? Prefiro pensar que existem, que tornam a nossa vida uma constante surpresa e nos libertam da rotina programada. Mas coincidência ou não, há a certeza inegável do que acontece e o nosso encontro aconteceu. Um encontro aparentemente vulgar e banal mas diferente. Porque foi o momento em que o nosso relógio de hábitos, compromissos e outras tarefas, parou. Ofereci-te esse instante e tu retribuíste, ou quero supor que sim. Que na tua vida, por um momento, permaneci. Quanto tempo durou esse suspense cósmico? Não sei. Imagino que foi muito tempo, mesmo quando senti que foi pouco. Demasiado curto para todo o tempo que poderia ser comummente vivido. Mas o tempo é o que fazemos dele, por isso eternizei-o, na lembrança.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Post.it: Hoje é um dia especial

Não porque seja uma data especial no calendário. Não porque tenha acontecido algo de diferente que deva ser lembrado. Mas porque despertei, porque recebi este dia como um presente. Vesti a minha melhor roupa, desenhei no rosto o meu mais radiante sorriso. Perfumei-me com caros perfumes. E recebi-o no meu lar, acolhi-o  na minha vida, abri-lhe as portas da minha festa, convidei-o a entrar. Mostrei-lhe como era especial.  Enchi-o de luz, de alegria, de harmonia. Dancei com ele, senti-o, aninhar-se no meu coração. Senti-o sereno, reencontrado com todos os outros dias que nunca concretizavam os meus sonhos. Senti-o feliz, porque não é todos os dias que o dia pode sentir-se feliz. Ele oferece-se a nós, no entanto não reparamos na sua permanência, na sua teimosia de recomeçar todos os dias, para que o recebamos, para que o tornemos melhor que o anterior. Todas as noites o dia adormece cansado de tentar, de nos chamar, de nos fazer tropeçar nele, quem sabe assim o vejamos. No entanto limitamo-nos a critica-lo, a fazer queixas da sua imperfeição, do frio, da chuva, do sol, do vento, do céu e do luar que nos oferece. Um dia, sem sabermos porquê, ele desiste de nós e não desperta no nosso olhar, e não nos ergue para o receber. Ele que sempre encontrou as portas fechadas e a janelas cerradas, recusa-se a  bater de novo a cada porta. Recusa-se acompanhar-nos, a dar-nos mais uma chance. E nesse dia, porque o hoje desistiu de nós,  vamos  permanecer para sempre no ontem sem a oferta de um amanhã.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Post.it: Somos um pouco de todos

Somos um pouco de tudo, deste mar que nos avassala de azul, deste sol que nos inunda de luz. Somos estrelas no firmamento do sonhar.  Somos um lastro de luar no brilho de um sorriso. Somos um pouco de todos, daqueles que ao passar, tiveram a generosidade de nos deixar a mais rica herança, o valor de crescer, a coragem de negar o caminho turvo, a humildade de reconhecer o erro, a modéstia de pedir perdão, a grandiosidade de oferecer o coração, de dar significado à força da sua mão para a tornar na mais suave carícia.
Somos feitos de nós, seres imperfeitos, incompletos, burilados pelo amor que o viver nos oferece, em cada sombra que nos protege do calor intenso, em cada fonte que nos mata a sede, em cada braço que nos abraça a dor.
Somos no destino a viagem, essa que une e separa vidas em qualquer ponto do infinito. Por vezes tão forte nas suas imposições, nos seus obstáculos. Mas sem força suficiente para  nos fazer esquecer, memórias de pessoas que em algum momento, mesmo que num breve instante,  nos fizeram felizes…

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Post.it: Seara de vento

Não posso negar o que sou, esta seara de vento que corre pela planície. Esta liberdade, esta ansiedade, esta necessidade de horizonte. E de braços abertos acaricio o trigo doirado e adormeço sobre os molhos já ceifados.
Na cidade, sufoco por entre prédios que me roubam o alento dessa visão que almejo,  a luz de mil sois em flor. Cidade que me torna mais um ser anónimo, um número estatístico sem importância nem nome. Apenas vejo sombras por entre luzes de candeeiros na obscuridade que escurece o luar.
Preciso desse rio que atravessa sem pressa a charneca de flores. Preciso de encher os olhos de azul sem fronteiras de betão. Preciso de soltar o coração, sem medo que a noite o aniquile numa qualquer esquina perdida. Preciso de encher os pulmões desse ar ainda não corrompido por veículos que circulam alheios ao que se passa à sua volta. Preciso de acordar com o canto dos pardais. De ouvir ao longe o chocalho das ovelhas. De desejar um bom dia e receber idêntico cumprimento envolto num sorriso e num olhar que me vê. Não posso negar a essência que me demarcou os genes, sou filha da terra num cruzamento de mar, um galo na madrugada a cantar, uma gaivota na tarde a voar…

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Post.it: Todas as cartas de amor são ridículas

Dizem que todas as cartas de amor são ridículas, será verdade? Lanço a pergunta em jeito de desafio. – Claro que sim ou não seriam cartas de amor! Responde-me, mas logo se redime do comentário tão imediato. – Claro que já escrevi cartas de amor e como tal, fui ridícula! Sabia-o, sentia-o, mas era necessário, era urgente, soltar a voz do coração, a lágrima que caía sobre o papel e o manchava de esperança. Porque tem de se escrever cartas de amor, se há amor!
O silêncio fez-se ouvir, perante tão apaixonada defesa. Senti-me incapaz de retorquir qualquer comentário que viesse estragar aquela declaração. Mas continuou…
– Ainda escrevo cartas de amor, porque o coração não envelhece, porque ainda se enternece. Porque ainda é, ridículo.
Dizem que é preciso coragem para escrever cartas de amor, por isso não deixo de a admirar. Quanto a mim confesso que também nunca me faltou coragem para as escrever, mas as pernas tremiam na hora de receber a resposta, o coração inventava palpitações e as mãos recusavam-se a abrir o envelope. Por vezes penso num suspiro, (quem me dera nunca perder a vontade de escrever cartas de amor, mesmo que sejam ridículas, mesmo que sejam ridicularizadas). Porque só quem as escreve sente bem no fundo do peito o encanto perfeito desse amor que não é afinal, ridículo.
– E já que estamos em conversa de quase confissão. Acrescenta com o mesmo sorriso  de expectativa, traída pelo olhar de desencanto. –  Posso assegurar-te, que se essa carta de amor, onde desfolhei o sentir como uma flor, tiver uma mensagem, “não terei coragem de abrir”. Prefiro ficar na incerteza. Se “será alegria ou tristeza”. Para conseguir guardar na memória a inexistência de uma história e a eterna ilusão de que não foi apenas, uma ridícula, carta de amor. 

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Por essa ilusão

Tenho-te esperado
 A vida inteira.
Tenho-te procurado
Em tantos olhares...
Esperanças derradeiras
Submersas nos mares.
Deste sentir adiado
sufocando as emoções.
Felicidade, traço esboçado
Com laivos de ilusões.
Confundi-te com o luar,
Com estrelas do firmamento
Com nuvens a deslizar
No doce sopro do vento.
Quando o nevoeiro levantou,
Encarei a luz do dia.
Foste realidade que me roubou,
As cores da fantasia...

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Post.it: A chinela e o pé descalço

Encontrei uma chinela na rua vazia, imaginei um pé descalço. A falta da chinela, o forçado abandono. O andar perdido, magoado sem o conforto da sua chinela. É pobre, simples, banal, sem marca de grandes estilista, nem se enquadra na moda. É apenas uma chinela sem par, que já calçou um pé descalço. Está gasta, já caminhou muito, percorreu parte de uma vida, foi companheira de aventuras e talvez quem sabe, de desventuras.  Hoje na rua vazia, não conta a sua história, talvez de uma amizade nascida numa qualquer montra da cidade, quando um pé descalço, lhe ofereceu o olhar, atraído pela vivacidade das suas cores, pelo aspecto confortável. Calçou-a, sentiu que era um reencontro com a forma do seu corpo. Já não a descalçou, começou logo ali a sua jornada e a história da chinela e do pé descalço. Que terminou um dia numa rua deserta, quando a chinela ficou perdida sem o pé descalço. Talvez ele ande por aí, procurando por ela. Coxeia, insiste e não desiste a cada passo magoado, torna-se difícil a caminhada sem aquela chinela que lhe calçou durante tanto tempo o seu pé, agora, descalço.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Post.it: O Nunca

Dói mais que a dor, porque a dor passa e o nunca, permanece. O nunca mata mais que a morte, porque nunca será uma sorte. Porque nunca será bem-vindo. O nunca corta-nos as asas, impede-nos de voar. Rouba-nos os sonhos, coíbe-nos de acreditar. Inunda-nos de lágrimas. Derrota-nos em todas as batalhas. Oprime-nos as forças, limita-nos a coragem. Tolda-nos a razão, incendeia-nos os sentidos.
O nunca tira-nos o que temos de melhor: a esperança. Quem me dera riscar dos dicionários essa palavra que parece lapidar a nossa existência, cortar-nos o caminho, aprisionar-nos como se fosse cada margem do nosso rio. Quem me dera não ouvir jamais a palavra nunca. Porque é mais que uma palavra, encerra uma expressão, como se ela fosse o obstáculo intransponível, a xenofobia dos outros, o preconceito e o medo de ser contagiado pela nossa sorte. Muitos apontarão o não como a causa de toda a negatividade que os cerca, mas o não pode tornar-se um sim, num qualquer momento, o nunca é permanente, deixa-nos sem argumentos, sem opções de luta.
Por isso, haja o que houver, mesmo quando tudo te obrigar a rejeitar, a negar, resiste, não nos roubes a esperança de um amanhã. Nunca digas nunca!

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Post.it: Aceitar a luta

Todos os dias, mal despertamos, somos invadidos por notícias sobre as medidas de austeridade que visam suplantar a crise económica em que nos encontramos.
Dizem-nos que temos que pagar uma dívida que parece aumentar a cada hora que passa. Uma dívida que sentimos injusta, porque não foi criada por nós, que nos obrigam a aceitar e a pagar com os nossos parcos meios financeiros, que sentimos escoar sem que nada possamos fazer para o impedir.
Retiram-nos privilégios, roubam-nos direitos que as gerações anteriores conquistaram com tanto esforço.
Prometem-nos que é uma situação provisória, mas sabemos por experiência vivida, que na maior parte dos casos o provisório, torna-se definitivo. A crise que previam atenuar-se em 2013, já se estendeu na sua previsão até 2015 e sabe-se lá até mais quando. Talvez seja ainda herdada pelos nossos filhos, quiçá pelos nossos netos.
A angústia torna-se uma corda que nos sufoca cada vez mais a garganta.
Sentimo-nos impotentes de soluções, enquanto aqui e ali surgem novas medidas como se fossem cogumelos venenosos onde outrora existiam horizontes de flores sem espinhos.
Que fazer? É a pergunta que nos assoma constante.
Aceitar a luta e não a derrota! Para que os nossos filhos e netos herdem um futuro melhor.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Post.it: Missiva de um derrotado

Sou um ser inconstante, incompleto, imperfeito. Admiro e invejo aquelas pessoas que sabem exactamente quem são, o que querem da vida,  do que são capazes. Que têm  certezas,  verdades e que lutam por elas. Eu não sou assim, ainda me ando a desenhar, a moldar, a projectar, a adaptar. Sou um esboço de traços imprecisos, de cores indefinidas. Então vou sendo, não o que sou, mas o que desejaria ser. Sem almejar grandes definições, seria igual a tantos outros mas diferente, por ser eu. Pessoa que conquistou a sua verdade, a sua identidade. Composta de defeitos e virtudes, que me tornam um ser único. Mas para isso é preciso ganhar coragem de ser. Tenho vivido uma vida preenchida, viajado incessantemente pelas incoerências do existir. Rodovias de desencontros. E apesar de muito planear as viagens, fazer listas, desenhar mapas, de evitar sair do trilho, perdi-me muitas vezes, demasiadas talvez. Arrependimentos? Sim, alguns. Em cada passo conheci alguns avanços mas também uns quantos recuos. Houve momentos em que tive a certeza que esse era o caminho que queria seguir, mas a dúvida cresceu e formou uma barreira intransponível. Nunca tive medo das derrotas mas gostava de conhecer a vitória, pelo menos para a identificar quando a encontrar.
“Para que serve um homem, o que ele tem? Se não ele mesmo, então não tem nada”
Esta poderia ser a missiva de um derrotado, mas é apenas a mensagem de alguém que  sabendo quem não é, procura saber o que poderá ser e que luta para o conseguir.
“Quando sabemos o que não queremos, descobrimos finalmente o que queremos”.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Se eu tivesse coragem...

Se eu tivesse coragem,
Voaria,
Mesmo sem saber voar.
Se eu tivesse coragem,
Sonharia,
Mesmo sem se concretizar.
Escreveria todas as palavras
Que me dita o coração.
Enviaria todas as cartas
Que falam de paixão.
Mesmo que te risses de mim.
Mesmo que logo as rasgasses.
Mesmo que apenas fossem um fim.
Sem que delas te lembrasses.
Passados muitos anos.
Muitos rios de tempo.
Passados muitos desenganos.
Muitas melodias de vento.
Teria essa recordação.
Já sem mágoa no peito.
De quando a mais bela emoção.
Concebeu um amor perfeito.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Post.it: Hoje lembrei-me de mim...

Esculpiste o meu coração com o teu carinho. Moldaste-o à tua mão, ao teu corpo. Desenhaste os meus sonhos, pintaste-os com cores que nem o arco-íris possuía. A minha vida tornou-se um espaço para ti, delineado pelas tuas palavras.
Foi assim que hoje me lembrei de mim, um pensamento solto, viajante, leve. Porque hoje é assim que te sinto, sem mágoa. Claro que com alguma nostalgia, aquela que advém do que acaba sem se concretizar. Calo um suspiro que ainda sopra o teu nome. Não por ser o teu nome mas por caberem nele todas as promessas não cumpridas. Procurei-as desesperadamente mas nunca as encontrei, porque foram lançadas ao vento que as levou para os confins do universo. Hoje o silêncio que antes era um cúmplice diálogo, apoderou-se de nós e foi calando cada vez mais as nossas vozes. Hoje lembrei-me de mim, lembrei-me de ti e percebi que por mais voltas que a terra dê, que as estações se sucedam, que as chuvas lavem as ruas e inundem os rios, há certas coisas que nunca vão mudar, tal como esta lembrança de nós…

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Post.it: Apenas antiga...

Saboreia cada momento não tem pressa, é uma das vantagens de se ser sénior, não ter pressa e poder apreciar a vida. Sim, é sénior, recusa-se a ser velha, lá diz o povo com razão, “velhos são os trapos”. A sua neta diz com o seu ar traquina, “avó és tão antiga”, supõe que seja um elogio maroto, e sorri, afinal as coisas antigas normalmente têm grande qualidade e elevado valor.
Lembra-se de que antigamente, quando era jovem e ainda andava a tentar conquistar um lugar ao sol,  preocupava-se com os outros, com a opinião que tinham sobre ela. De tudo fazia para lhes agradar, mas lá vem de novo o povo com a sua soberana sabedoria “não se pode agradar a gregos e a troianos”. Acabava frustrada na sua luta inglória.
Depois e apesar dos seus esforços para ser bem educada, alguém sempre inventava uma razão para dizer algo menos abonatório sobre a sua pessoa. Entristecia-se. Hoje,  agradece a essas pessoas que lhe ensinaram que na vida  há muitos cenários sem real conteúdo. E das mágoas ergueu-se e atreveu-se a ser como é. Não é perfeita, é  apenas humana.
Já não precisa correr para chegar,  mais tarde ou mais cedo todos atingem a meta.
Por isso o melhor é ir aproveitando a paisagem da passagem, a firmeza de cada passo.
Passamos a vida inteira à procura da felicidade, mas  estamos tão habituados a ser infelizes que a sensação de felicidade nos parece estranha. Acabamos por a deixar passar sem a reconhecermos.  Tantas vezes reprimimos o nosso sentir que essa passa a ser a nossa forma de viver de tal forma que a ternura espontânea nos incómoda, e o amor nos inspira desconfiança.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Post.it: Solo fértil

Aramos a terra, preparamos o ninho para que as sementes se sintam aconchegadas. Escolhemos cada palavra para semear. Daquelas que tenham mais para dizer, que não sejam banais, que tornem tudo à sua volta especial. Que cheguem ao coração da humanidade. Aquelas que vivemos ávidos delas. Que são um verdadeiro oásis na aridez da razão. Aquelas que perduram no tempo como se fossem uma preciosa herança. Depositamo-las com delicadeza para que não percam o sentido. Cobrimo-las para que se sintam quentes, para que adormeçam e renasçam no momento mais indicado, na altura em que sejam necessárias para enriquecer os sentimentos, para revelar emoções. Para amenizar a dor. Para curar a ferida da alma.
Por vezes receamos não as possuir, não as conhecer para as oferecer num bouquet de esperança. Mas então percebemos que não nos faltam as palavras mas um solo fértil, macio. Que tenha a brandura do ser, a suavidade do cuidar, a delicadeza do sentir, a doçura do aconchegar, a afectuosidade do germinar.
Porque as palavras nascem do coração, seguem nas asas do vento e são recebidas de braços abertos por outro coração semelhante ao seu.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Post.it: Pela madrugada

Morei num 11º andar, á volta tinha um horizonte de vidas. Os meus vizinhos reclamavam que a profícua construção de prédios lhes roubava cada vez mais a paisagem. Que lhes responder? era-me indiferente porque gostava de apreciar as histórias de vidas que desfilavam perante o meu olhar. Não fazia disso uma obsessão, mas quando a noite não trazia o justo sono, ficava horas infinitas na companhia da minha “amiga” insónia. Presença constante de noites que se estendiam pela madrugada, com ela habituei-me a preencher as noites inventando histórias sobre os cenários das janelas iluminadas. Luzes que pouco a pouco se apagavam, escurecendo cada  vez mais a negritude da noite. Restava uma, sempre a mesma, no seu quarto, um jovem permanecia frente ao computador, as suas mãos deslizavam no teclado vertiginosamente, com ânsia de comunicar, de libertar-se daquelas quatro paredes, de sair pela janela e viajar por um mundo ilimitado, sem fronteiras, sem obstáculos, sem proibições. Imaginei-lhe aventuras, imensas proezas, actos heróicos.  Mas nem sempre lhe dediquei bons pensamentos, confesso. Julgava-o apenas mais um viciado em internet. Até que um dia eu e a insónia resolvemos permanecer até o acordar do dia. Então vimos o jovem aproximar-se da janela na sua cadeira de rodas e fechar as cortinas. Mas como que sentindo a minha presença, lançou-me um olhar triste envolto num sorriso de esperança.
Recolhi-me envergonhada pelos pensamentos menos generosos que tivera, pelo meu olhar curioso, pela minha ignorância e egoísmo.
Quando a noite regressou,  espreitei a medo, com vontade de lhe fazer companhia mas simultaneamente com receio que me considerasse invasora da sua privacidade.
Ele abriu as cortinas, olhou-me e acenou-me, acenei-lhe e durante algum tempo fomos três companheiros da madrugada, até  a insónia partir e eu passar a ter por companhia um mundo repleto de sonhos. O jovem continuou a viajar pelo seu mundo através daquele ecrã que lhe permitia ultrapassar os seus próprios limites. Talvez viva aventuras, talvez nelas seja o herói. Talvez a insónia um dia o abandone e nos encontremos por aí, no mundo dos sonhos ou da realidade.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Post.it: Nunca lhe direi adeus

Adeus, uma palavra que antes de partir já deixa saudade. Adeus, nunca parece definitiva mas é, quando nos arranca do peito esse sentir. Quando nos oferece o último olhar. O rosto sorri, sorri para não mostrar a fraqueza duma lágrima. Prometemos que não acaba ali, mas acaba, quando a distância das horas, dos dias transforma-se em meses e anos. Adeus, está no momento da partida, aquele que já não conseguimos prolongar, que já não podemos adiar. Num gesto de brusquidão, de quase desespero, cortamos o (cordão umbilical). Fechamos a porta, resistimos em correr para a janela. Se é para sofrer, que seja tudo de uma vez. Derramamos o nosso pequeno oceano, escondemo-nos por detrás das nuvens. E depois? Depois, limpemos os olhos, afastemos o nevoeiro e deixemos o sol brilhar de novo. Nesse instante de hesitação que marca todos os recomeços, o coração sacode as asas do orvalho nocturno e voa para um novo horizonte.
Adeus, uma palavra que deixa sempre uma grande saudade. Um adeus, que não se torna definitivo se permitirmos que fique guardado num recanto da nossa vida. Por isso recuso-me a dizer-lhe um eterno adeus, e desejarei aninhar  no meu ser essa uma luz pacificadora que foi e que ao me tocar tornou-me uma pessoa melhor…

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Post.it: Uma questão de fé

Sou uma mulher de fé, porque acredito. Pouco importa no que acredito. Basta saber que acredito. É indiferente se professo alguma religião. Acredito e acreditar é a minha fé. A fé não é uma crença que insiste e resiste, por teimosia ou pela insistência de marés.
A minha fé é racional, porque fé e razão não têm que ser antagónicas, uma necessita da outra para se afirmar e ganhar consistência.
A fé não tem que ser transcendente, inalcançável. Tem que estar aqui no que sou, para onde vou. Uma fé que me é semelhante, humana, mutável, adaptável, vivente e existente.
A fé é o meu caminho, vivo-a vivendo, sentindo. Não é uma almofada de segurança, mas antes uma força, que dá sentido ao meu existir.
Sempre admirei as pessoas de fé. Porque ter fé exige carácter, coragem, firmeza, convicção, dedicação, luta e aceitação. Há pessoas que enchem o peito de ar para se declararem pessoas de fé, mas perante a primeira adversidade, a sua fé desmorona-se e cai por terra, mais frágil que um castelo de areia.
Talvez não tenha razões para falar de fé. Mas tenho vida, passado, presente, tenho riso, lágrimas, cansaço, preguiça, amores e desamores, abraços, beijos, carinhos, rejeições, na realidade nada mais tenho do que a possibilidade de escolher que quero ter Fé. Mas “a fé não se escolhe” disseram-me uma vez. “Somos escolhidos por ela”. Então a fé escolheu-me e eu aceitei ser escolhida. Encontro a fé do que acredito, não no vento impetuoso, não no terramoto demolidor, nem no fogo abrasador. Mas na brisa ligeira, no renascer suave das flores, no madrugar sereno dos dias. Não só nas grandes coisas, nas grandes atitudes, nas grandes obras, mas e sobretudo nas pequenas.  Nesses lugares, nesses momentos em que nos reconciliamos com a nossa essência de viver, e descobrimos que é bom acreditar no desabrochar do amanhã.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Post.it: Ver a vida

Olhas-me, não te aproximas, desvias o olhar como se a visão da minha existência te perturbasse. Entristece-me a tua indiferença não tanto por mim, mas por ti, que passas pela vida alheio a tudo e, um dia, quando te deparas com o final, lamentas a rapidez com que o tempo passou, como ele sem aviso prévio se escoou. Desespera-te o facto de não teres vivido tudo o que tinhas desejado viver. O não teres feito tudo o que sonhavas fazer. Na verdade, bem sabes que o tempo tem o seu ritmo inalterável, mas passa demasiado depressa para quem não se dedicou a apreciar o que tinha de bom, limitando-se a criticar tudo o resto, a encontrar apenas  pontos negativos. Analisando pela aparência, prendendo-se a futilidades, passando ao lado da vida sem realmente a ver. Tal como não me vês, porque a verdadeira beleza não está visivel aos olhos. Pára, toca-me, dá-me o teu carinho,  mesmo que isso te possa magoar mais tarde, nem sempre é fácil. A vida é uma permanente conquista. Por vezes para vencermos, temos de suplantar as dores da caminhada e deixar que o tempo cure as feridas que outro tempo nos deixou. 

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Post.it: A família do coração

Tudo começa com um olá, um sorriso que nos recepciona. Muitos mais se seguirão, ao longo do tempo, um tempo feito de muitas histórias e vivências partilhadas, porque é disso que se faz a amizade. Trocam-se risos, lágrimas, histórias, sonhos, decepções. Assistimos às uniões, às separações, aos nascimentos, aos primeiros passos, às quedas, às brincadeiras. Apoiamos, amparamos, ouvimos, falamos, calamos, abraçamos.
-Sabes,  vou separar-me.
Não importam as causas, mas as consequências.
- E os miúdos? Perguntamos de imediato. “ Queres que os vá buscar para ficarem uns dias comigo?”
As crianças nascem, crescem, e como crescem, num vertiginoso espaço de tempo:
- O João já disse, mamã, e só tem 7 meses. A Rute foi pela primeira vez para o infantário, estava tão engraçada de bibe. A Filipa já escreve emails para as amigas, tem 6 anos, ainda mal sabe escrever. A Adriana continua a ter excelentes notas na escola, é um encanto de menina. A Cláudia completou o 12º ano, sonha ser hospedeira. O Ricardo já sai à noite e o irmão que é mais novo quer imitar-lhe os passos, uma inquietação para os pais. O Afonso entalou o dedo numa porta e teve que ir para o hospital, que susto, que dor!  O Eduardo já tem uma namoradinha, já? Mas ainda ontem gatinhava e já tem 17 anos! A Teresinha quer fazer um curso de fotografia, mas ela tem mais jeito para modelo?! A Beatriz há-se ser dançarina, claro que sim, está sempre a dançar. A Catarina já foi passar férias com uma amiga, está tão independente, começam cada vez mais cedo! A Paulinha vai fazer hoje o exame de código para tirar a carta de condução e todas nós ficamos em suspenso, quase roendo as unhas. De 5 em 5 minutos perguntamos - Já telefonou?
A Maria está grávida e nós, amigas, vizinhas, colegas,  sentimo-nos todas,  igualmente mães, tias, avós.
“A Alice está doente, tem um cancro”, diz alguém num tom quase sussurrante. Baixamos os olhos por um instante, entre a surpresa e a incredulidade, querendo entender, o que não tem qualquer justificação. Mas logo de seguida, procuramos saber o que podemos fazer para minorar a sua situação, o seu sofrimento. Organizamo-nos em grupos, para a acompanharmos aos tratamentos, não queremos que fique só nem um minuto, para não se sentir invadida pela tristeza.
São assim as famílias, as verdadeiras famílias, as que não sendo constituídas por laços de sangue, estão unidas por laços emocionais. São a família que escolhemos, ou a que nos escolhe a nós. São verdadeiros amigos, leais colegas, amorosos vizinhos, são sobretudo a nossa extensão, os nossos alicerces, a nossa família do coração.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Pst.it: Estás aí?

 Estás aí? Não sei, não te vejo, não te sinto. Há um silêncio que me causa dor. Um inverno que me estremece a alma. Não sei se estás aí à frente desse monitor, lendo o que escrevo, hesitando em oferecer-me uma palavra que venha colorir a página em branco ou em deixar-me cair no vazio do esquecimento.
O mundo das comunicações mudou, aproximou-nos, e no entanto sinto-te tão distante. Numa distância que desconheço porque não é geográfica mas emocional. Faz parte da vontade de cada um querer ou não comunicar, dar um pouco de si ao outro. Um olá que se deixa eternamente adiado, para um amanhã que nunca chega. Porquê? Porque, é demasiado fácil, demasiado rápido, pode ser feito, sentido num outro momento. Depois das tarefas profissionais, das familiares, das sociais, das burocráticas, depois de todas as outras, talvez menos importantes, algumas certamente menos agradáveis, mas a amizade pode sempre esperar. Não é um compromisso, não tem hora marcada, é uma das poucas liberdades que temos, obedecendo apenas à vontade. Uma vontade que se acomoda, cansada da rotina, das horas que voam imperceptivelmente.
 Estás aí? Procuro-te, estendo o olhar, perscruto as linhas eléctricas, as fibras ópticas da modernidade, mas não te encontro, nesse abraço virtual que fica vazio de calor humano. Porque talvez não saibas, mas as simples palavras aqui desenhadas, transmitem calor a  quem as lê e faz chegar ao coração através de sofisticados canais onde os sentidos apreendem as emoções e as transformam em sorrisos.