quinta-feira, 30 de junho de 2011

Post.it: Não a viram

Ela estava ali, naquele momento, naquela hora. No instante em que tudo se revela. Em que a vida se encontra com a sua rival. O final previamente anunciado, continuamente denunciado, tinha que ser, já estava escrito que esse seria o seu destino. Mas o destino rebela-se inconformado contra o encontro ou desencontro, do princípio ou do fim. Quem sabe o começo, o verdadeiro começo, repetem as almas que se consolam com tal hipótese. Mas agora perante o vazio que fica, que importam as teorias, as crenças, era cedo, demasiado cedo. Ela madrugou, tinha uma missão, salvar da dor o quanto antes, sem adiamentos, sem súplicas. Salvar da dor repetem os que buscam uma explicação lógica para o ilógico do sucedido. Salvar da dor, de quem parte, de quem fica, rebuscando um ténue consolo, tentando acreditar que a expiração não dói. Mas dói, dói sempre. A perda, a ausência, a vida roubada.
Ela estava ali, não a viram, estavam cegos de juventude, de sonhos e de esperança. Ela estava ali quando os horizontes se encontraram, quando as linhas se tocaram e numa só se tornaram. 

quarta-feira, 29 de junho de 2011

S. Pedro

A S. Pedro vou recorrer,
Dos santos é o terceiro.
Mas se o meu pedido atender,
Para mim ficará  o primeiro.

Do sul és o senhor,
Dessa planície dourada.
Onde domina o calor,
Dessa gente apaixonada.

S. Pedro pouco me importa
Onde o amor possa estar.
Desde que bata à minha porta,
Desde que venha para ficar.

Era uma vez: No reino mágico das fadas (48)

Muito longe dali, na praça central da maior cidade do novo reino unido, a mesma onde um século atrás fora vencida a sombra maléfica, juntara-se enorme multidão em que os seres brilhantes já não se distinguiam de fadas e magos, de tal forma se fizera a adaptação e simbiose dos dois reinos.
As praças centrais da maior cidade da ilha e das restantes cidades do reino, àquela hora, encontravam-se igualmente apinhadas. E não só nas cidades, mas por todos os lugares habitados do novo reino unido se avistavam sinais das comemorações que, naquela noite, se iniciavam – o primeiro centenário da Noite da Reunião. A maioria da população lembrava-se desse acontecimento. Muitos dos mais antigos haviam desaparecido e outros tantos, mais jovens, apenas conheciam essa data pelo que dela se contava e se estudava. Mas, para todos, era a grande data – a comemoração do sentido da união do reino e da razão primeira que dera origem à forma como, desde essa noite, tudo fora organizado com base em orientações, princípios, leis e regras que pautavam a actuação de todos e de cada um, permitindo que o progresso, a justiça e a paz fossem as notas dominantes da vida do novo e grande reino unido.
Para alguns essas comemorações do reino eram também recordações individuais, por terem participado directamente nos acontecimentos e porque estes tinham alterado completamente a sua vida. A experiência comum mantivera-os unidos e reunira-os nessa noite, na grande sala onde cem anos antes se dera o primeiro encontro de Ornix e Corix, com a rainha Amada e a fada Astuta. Estavam também presentes: o Guardião e as fadas-comande; o professor Inventix e alguns membros do conselho de decisores da ilha; os magos mensageiros e os que se tinham aventurado em busca da princesa; algumas fadas conselheiras do então reino mágico e outros membros do corpo de dirigentes do novo reino unido. Este tornara-se no grupo unificador dos dois povos que, sob a sua liderança, se haviam tornado num só povo que sentia o novo reino unido como sua pátria única.
Na sala, como em todas as praças de todas as cidades, a conversa girava em torno dos acontecimentos que se celebravam e a alegria das vozes e da música que enchia o ar chegava ao lago das mil cores, onde, desde aquela noite, a ponte de água sólida se tornara o grande símbolo da Noite da Reunião. Por isso se encontrava sempre iluminada e se tornara um monumento que todos queriam conhecer.
Nas profundezas do lago continuavam aprisionadas as criaturas maléficas, incluindo as feiticeiras filhas da sombra, cujos lamentos raivosos continuavam a ouvir-se nas noites em que o vento se lhes juntava e agitava a superfície do lago, fazendo subir as águas profundas que arrastavam consigo os lamúrios e gritos que povoavam os abismos escuros e frios.
Mas no novo reino unido, nessa noite, ninguém se deitou, ninguém adormeceu, ninguém se cansou, ninguém ficou só. Todos, excepto a princesa Marbel.

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Continua
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No reino mágico das fadas (49)
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terça-feira, 28 de junho de 2011

Post.it: Sabe bem o Verão

Mais uma conversa de café, dessas conversas que já não se escondem no parece bem, com receio de chocar ou de perder essa amizade, diria eu, mas numa visão mais ampla, uma amiga minha dirá, “se a amizade for sólida nada a abala, porque há coisas mais importantes que as meras palavras deitadas fora numa mesa de café”.
Juntando os desejos de cada uma de nós, refrescamos de desejos e de sonhos o nosso Verão:
- Sabia-me bem uma caipirinha generosa de gelo e uma companhia agradável a revigorar-me a juventude que ameaça partir sem a promessa de voltar.
- Sabia-me bem namorar, esse conviver sem compromissos de eternidade. Como se fosse uma onda marinha que nos refresca o corpo e salpica de risos estonteantes a alma.
- Sabia-me bem esse sol que faz incendiar as emoções palpitantes de vida, de sonhos que se perdem sem angústia no raiar da madrugada.
- Sabia-me bem o ressuscitar dos dias plenos de recomeços na frescura das primeiras horas de azul.
- Sabia-me quebrar a rotina, esquecer os compromissos, deixar abandonado o relógio numa qualquer gaveta que fechamos para nos tornarmos livres desse jugo que nos orienta e arruma o sentir.
- Sabia-me bem amar, ser amada, numa onda, numa duna, num tecto de luar, onde o amor me encontrasse.
Porque de vez em quando sabe bem despir os preceitos, os preconceitos e vestir a paixão, o sabor a sal . Viver sem tempo, ao sabor do vento.
Porque de vez em quando sabe bem deixar o coração sentir em si o Verão.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Teremos sempre o luar

Sempre e só, o teu olhar.
Sempre e só, a tua voz.
Nesse longínquo lugar.
Que se tornara algo de nós.

Sempre  e só, a esperança.
De que fosse a eternidade.
Sempre e só, a lembrança.
Duma confusa realidade.

Sempre e só, a tua mão.
Conhecedora do caminho.
Sempre e só, a ilusão,
Dum precioso carinho.


Sempre e só, apenas o luar
Que nos fez companhia
Sempre e só, o vamos guardar
Com alguma nostalgia.


Era uma vez: No reino mágico das fadas (47)

Ao longo dos cem anos que ali passara, aquela janela transformara-se no seu lugar preferido. Na sua primeira noite de exílio, ficara ali a olhar a escuridão do céu, por momentos iluminada pela chuva de fogo dos cometas que de mil em mil anos ocorre nos céus do reino mágico. Lembrava-se de ter pensado em cem anos como uma eternidade e de ter sentido medo de não conseguir cumprir o que prometera – permanecer isolada, em silêncio e reflexão durante um século, como forma de se libertar da culpa que sentia por toda a situação que criara com a sua desobediência e irresponsabilidade. Além disso, comprometera-se a não recorrer a nenhuma espécie de magia conhecida. Apenas poderia recorrer à magia se criasse alguma nova fórmula mágica que fosse útil e proporcionasse algo de bom a todo o reino. Este compromisso fora tomado por sua livre iniciativa e dera origem a uma lei que fora implementada em todo o reino: “toda a magia e qualquer poder mágico, assim como todos os progressos científicos e tecnológicos, serão utilizados apenas e só se constituírem um contributo para o bem comum.”
Recordava vivamente a promessa que fizera a si própria: “aconteça o que acontecer, cumprirei a minha palavra!”
Agora, cem anos volvidos, sentia-se vitoriosa por ter conseguido cumprir a sua própria determinação. Não fora fácil, sobretudo nos primeiros anos. Muitas vezes sentira a tentação de ceder, de abrir a porta e partir. Mas conseguira manter-se fiel ao seu propósito. Nesses momentos de fraqueza, empenhava-se ainda mais no que determinara para si própria. Assim, aproveitara o tempo para estudar, para fortalecer a vontade e para desenvolver a magia que permitia à mente viajar e, assim, adquirir conhecimento e comunicar. Orgulhava-se da aplicação que estava a ser dada a essa magia em todo o reino. Fora através dela e das visitas regulares que recebera que pudera acompanhar toda a evolução que se operara no reino desde a longínqua Noite da Reunião, em que os dois reinos se haviam tornado num só.
Marbel permaneceu sentada e quieta no parapeito da janela por várias horas, meditando em tudo o que a conduzira àquele momento. O céu daquela última noite tornara-se muito escuro. Marbel desejou que houvesse fogo de cometas, como da primeira vez que ali passara a noite. Mas só as estrelas ponteavam a imensidão escura e funda do firmamento. A princesa fixou essa imensidão e deixou que a sua mente viajasse nela e dela colhesse a sabedoria do infinito. E ninguém presenciou a transformação do seu corpo e a luz que se acendeu no seu rosto.
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Continua
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No reino mágico das fadas (48)
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sexta-feira, 24 de junho de 2011

São João

Depois de St. António consultar,
Vou pelo sim pelo não.
A outro  santo de novo implorar,
Que escute o meu coração.

De alho porro na mão,
Quando a noite for criança.
Vou celebrar o S. João
Com a cidreira da esperança.

Santo que és no norte,
A maior celebridade.
Espero que me dês a sorte,
De encontrar a felicidade.

Era uma vez: No reino mágico das fadas (46)

Como sempre, ficaram em silêncio a saborear a presença e a afeição que os unia. Esse recanto era o mais confortável da sala grande e um pouco fria. No chão, havia um tapete gasto pelos passos e pelo tempo e, sobre ele, uma mesa baixa e rectangular com uma base da mesma pedra das paredes e um tampo de madeira, a mesma dos cadeirões, enegrecida pelo uso de muitos séculos. O couro dos assentos adquirira a cor da pele gasta e rugosa e tornara-se macio e acolhedor. Os três olhavam-se com afeição, os rostos iluminados pela alegria da aproximação do final da longa separação e pela luz que vinha da janela alta e larga que se abria sobre o azul do céu e o verde da paisagem, dominada pela ampla planície de prados e bosques que, lá muito ao longe, dava lugar às Montanhas Douradas.
Marbel, sentada olhava o rosto da mãe, de olhar sereno e feliz, onde brilhava a mesma luz que iluminara a praça e a multidão e vencera a sombra para sempre. Esse brilho nunca desaparecera do olhar da rainha, como se fosse uma lembrança, um testemunho daquela luta e daquela vitória.
Ornix também olhava a rainha Amada. Não perdera completamente o seu brilho, como acontecera com todos os seres brilhantes depois daquela noite em que todos os habitantes da ilha e do reino mágico das fadas haviam descoberto que, afinal, todos eram semelhantes, faziam parte da mesma espécie e que, por maldição da sombra maléfica, tinham inventado diferenças e invejas, ódios e conflitos, tudo nascido da desconfiança e do medo. Naquela noite, em que a luz e a confiança venceram as trevas e o medo, tudo renascera e a vida recomeçara num novo caminho de esperança.
Foi a rainha Amada quem quebrou o silêncio.
“Gosto deste recanto e da luz desta janela! Mas estou feliz por estar a chegar ao fim o teu exílio!”
“Também eu, mãe. Nem imagina como!”
“Imagino. Claro que imagino, minha filha! E orgulho-me por teres mantido a tua palavra e pela pessoa em que te transformaste.”
“Todos se orgulham de ti” – disse Ornix – “e anseiam pelo teu regresso. Ninguém esquece que a tua aventura, apesar de ter sido uma desobediência às leis do reino mágico, foi o que desencadeou todos os acontecimentos que conduziram à união da nossa espécie.”
“Mas poderia ter significado a guerra e a desgraça do reino mágico. Eu não me orgulho disso. Nem esqueço o medo que senti e tudo o que sofri e fiz sofrer nessa época. Não foi a minha desobediência que conduziu à situação actual. Foi a vossa sabedoria que evitou o pior.”
“Ora, o que lá vai, lá vai. O que importa é que tudo se resolveu em bem.” Por isso, minhas senhoras, agora é altura de celebrar e de pensar no futuro!”
Ornix era sempre assim: jovial e positivo. Marbel apreciava muito essas suas características e, mais ainda, o modo como ele olhava sua mãe – com um olhar de séculos de admiração, onde se lia claramente o sentimento que os unia – e, por isso, sorriu para ele e teve de conter-se para não o abraçar.
A conversa voltou-se para a preparação do regresso da princesa, passando depois aos projectos sobre a sua vida futura e aos planos da rainha Amada e de Ornix para a governação do reino.
A tarde passou rapidamente e Marbel voltou a ficar sozinha. Sentou-se na pedra larga do parapeito largo da janela e deixou-se deslumbrar pelo fim de tarde. Recostou-se e dispôs-se a apreciar a solidão da última noite que daria lugar ao último dia do seu exílio.
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No reino mágico das fadas (1)
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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Post.it: O humor

O sarcasmo é a hostilidade disfarçada de humor. Destina-se a magoar e é normalmente amargo e cáustico.
Quem o usa nem sempre conhece a dimensão das palavras que profere porque a amargura vem-lhe de dentro. Convive com ela, já faz parte de si. Quando lhe criticam a  atitude menos delicada, menos sensível, incapaz de reconhecer o seu erro prefere acusar os outros de terem falta de humor (inteligente) ou de serem demasiado susceptíveis. Até ao dia em que o sarcasmo lhe é dirigido, que lhe atinge o âmago, talvez a partir de então perceba. Que o humor devia servir apenas para divertir todos e não só alguns. Que devia ser partilhado como forma de entretenimento e não de corrosão e crítica
Explicando de outra forma: “ O humor compreende também o mau humor. O mau é que não compreende nada” Millôr Fernandes.
Não porque esteja de mau humor mas porque há realmente humores muitos maus, e de péssimo gosto.
Porque o importante para quem faz humor é ter graça, porquanto: “O espírito ri das coisas. O humor ri com elas” Carlyle.
Já o sarcasmo não faz bem ao ânimo, que só o humor anima: “O humor tem não só algo de libertador, análogo nisso ao espirituoso e ao cómico, mas também algo de sublime e elevado” Freud.
Em suma: “O humor é a arte de fazer cócegas no raciocínio dos outros” Leon Eliachar
E porque rir é o melhor remédio não sejamos sarcásticos, vamos rir juntos?

Era uma vez: No reino mágico das fadas (45)

Marbel olhou mais uma vez os arabescos que desenhara na porta grande e escura, gasta pelo tempo e pela espera. Em cada dia gravara uma letra, uma palavra, uma ideia que perfaziam agora mais de três mil anotações dos acontecimentos que acabara de recordar. Assim conseguira vencer a vontade de abrir a porta e fugir ao castigo. A fechadura nunca fora trancada e a liberdade estivera sempre ao seu alcance. Mas, desta vez, Marbel fizera questão de não desobedecer, de merecer a confiança que, apesar de tudo, a mãe e todo o reino haviam depositado nela.
Enchera os mais de três mil dias com reflexão, estudo e observação de tudo o que se fora passando no reino unido das fadas e seres brilhantes. Desenvolvera a magia de fazer viajar a mente, de observar e registar tudo o que presenciava e experimentava nessas viagens e, quando descansava diante da larga janela que se abria sobre a magnífica paisagem, cheia de verdes e sinais de vida a nascer, a florescer e a renovar-se, sentia a tranquilidade de quem soubera aprender com os erros e crescera para um futuro em que poderia provar a si própria e aos outros que mudara e deixara, definitivamente, de viver centrada em si própria e na satisfação das suas vontades.
Começou a ouvir o som dos passos da mãe a aproximar-se do último lanço de escadas que antecedia o patamar de acesso ao aposento onde se encontrava. A porta esbatia os ruídos do exterior, mas soube que a mãe não vinha só e reconheceu os passos de Ornix, mais fortes e firmes. Habituara-se a vê-lo sempre na companhia da mãe, como se ambos fossem parte de uma unidade que não poderia existir sem a outra. De início estranhara, mas depois de ouvir da boca de ambos como se havia dado o seu primeiro encontro, como um único olhar os unira por uma recordação de séculos que levara ao acordo de paz entre os dois reinos, compreendera que talvez algum poder superior os destinara e unira. Aceitou e aprendeu a respeitar e a amar Ornix.
Sentiu os passos do outro lado da porta e, mesmo antes da mãe bater, abriu-a e não resistiu ao impulso de a abraçar. A mãe correspondeu. Ornix observava-as sorrindo, como sempre fazia diante desta cena. As manifestações de afecto não faziam parte dos hábitos e costumes dos seres brilhantes. Porém, compreendia-os cada vez melhor e, às vezes, apetecia-lhe também abraçar Marbel. De início tivera um certo desprezo por ela devido ao seu comportamento irresponsável. Mas, com o passar do tempo fora aprendendo a apreciá-la e a amá-la, sobretudo devido à atitude da princesa, que soubera respeitar o acordo estabelecido sobre as consequências desse acto irreflectido que criara tamanho perigo para os dois reinos, mas que também permitira a sua união.
Depois do abraço e dos cumprimentos habituais, sentaram-se os três, cada um no seu cadeirão, no recanto mais confortável da sala.
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No reino mágico das fadas (1)
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terça-feira, 21 de junho de 2011

Post.it: Alma plana

Plena de voo, de horizontes infinitos.  Os pulmões ébrios de azul. Azul céu, azul mar. Asas que rasgam os limites, que se estendem para além deles. Asas que batem num desespero de chegar a um lugar a que possa chamar lar, a que possa chamar de seu. Aquela porta aberta para receber o cansaço duma vida em busca desse alguém. As forças abandonam-lhe o ser. Uma certeza começa a surgir, nunca chegará à meta, nunca cumprirá a sua missão. De repente um sopro de vento ergue-lhe as asas, devolve-lhe o ânimo. As nuvens afastam-se do seu caminho para lhe facilitar o percurso. O sol desvia os seus raios ardentes para tornar mais fresca a jornada. Deixa-se planar, deixa-se embalar, deixa-se amar. Reflecte, deixou de sonhar, deixou de querer. Sem direcção definida, sabe que vai no caminho certo depois de ter conhecido tantos desacertados. Chegará, sabe que sim. Recorda, um tempo em que subia tão alto que ficava quase sem fôlego para prosseguir a rota. Momentos em que o seu voo era orgulhosamente o mais elegante. Nada temia, cada obstáculo não desmotivava, antes constitua um desafio. Foram muitas gotas de mar, de chuva e de um chorar copioso que de vez em quando lhe inundava a alma. Porque a alma também chora quando magoada, quando perdida no seu voo solitário. Concluí que a meta estava ali, sempre estivera, apenas a adiara em busca de ilusões num voo de Icaro. Chegara, estavam à sua espera. Porque demorara tanto, questionava a duna que se formara para lhe dar abrigo e conforto. Fora uma pergunta que nada exigia, um questionar que apenas indicava carinho e receptividade. Não importava a delonga, não importava o caminho mas a chegada. Quando só o cansaço pode valorizar o descanso, e a dor reconhecer o amor.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Basta-me o hoje

Oferece-me o hoje,
E não te pedirei o amanhã.
Dá-me o instante, o agora.
Deixa-me trazer-te a manhã
Na mais radiosa aurora.

Deixa-me ser uma brisa do céu,
Para que antes que o desponte,
Seja suspiro que se desvaneceu,
Na linha ténue do horizonte.

Não digas nada,
Nada que não seja um sorriso.
Que torne a minha estrada,
A teu lado num paraíso.

Deixa-me chegar de longe,
E encontrar no teu regaço,
A mais terna fonte,
que me entorpece o cansaço.

Oferece-me o hoje,
Porque só o hoje ensejo.
Como se a felicidade fosse,
Adormecer no teu beijo.

Era uma vez: No reino mágico das fadas (44)

No céu límpido e escuro, apenas se via o reflexo incandescente dos seres de fogo. Um murmúrio de palavras segredadas e quase cantadas percorreu o ar e chegou às duas margens do lago. Era como uma canção cantada em muitas vozes, que se alternavam e pareciam fazer perguntas e dar respostas. O fogo reflectido no céu mudava de cambiantes ao ritmo do diálogo cantado. Ninguém compreendia o significado das palavras que elevavam do largo e se cruzavam no ar espalhando-se melodiosamente em todas as direcções, mas todos sentiam o calor profundo que emanavam e todos adivinhavam o segredo que delas se desprendia, num escoar de pura alegria, como se finalmente tivesse encontrado o caminho de uma libertação por tantos séculos ansiada.
Tudo ficou suspenso do que se passava no largo, como se mais nada existisse, como se tudo tivesse o seu início naquele ponto de luz e fogo, no meio da escuridão do lago, que se reflectia no céu, irradiando luz e melodia, enchendo o ar, o espaço e os corações de algo tão desconhecido e tão novo que ninguém ousava olhar noutra direcção ou ouvir outras palavras ou pronunciar outro som.
Ninguém soube ao certo quanto tempo se passou até que a cúpula de fogo começou a abrir-se. Primeiro um pequeno ponto de onde se projectou uma luz intensa que pareceu rasgar o céu até ao infinito. Depois, um desabrochar de luminosidade e cor, como uma flor que, lentamente se abre para a vida e a saúda em todo o seu esplendor. Os seres de fogo foram-se diluindo nas pétalas de luz que se abriram completamente e encheram o chão do largo. No centro, os caminhantes da ponte levitavam em círculo, de braços estendidos e mães unidas abraçados por um anel de energia que assumia todos os cambiantes de milhares de cores e irradiava em todas as direcções os sentimentos dos que ele unia e que lhe davam existência.
A pouco e pouco, o círculo foi-se alargando e deixando ver aqueles que o formavam. Para grande admiração de todos, não se observavam as habituais diferenças entre seres brilhantes e fadas e magos. Todos eram diferentes entre si, mas semelhantes nos traços essenciais do corpo e do rosto.
Foi então que todos compreenderam o segredo da canção cantada em mil vozes, a alegria de libertação que se desprendia dela, o significado das palavras que se tinham elevado do largo luminoso, espelhando a sua melodia num significado que só agora compreendiam.
Marbel recordava aquela noite distante. Lembrava-se de todos os pormenores e de todos os acontecimentos que a ela haviam conduzido. Olhou em seu redor e observou as paredes ancestrais de pedras corroídas pelo tempo que, durante cem anos, tinham sido a sua casa e o seu longo castigo. Estava consciente de que, ao sair dali, encontraria uma nova realidade, nascida daquela noite longínqua e, ao mesmo tempo tão próxima, em que a sombra, mãe de todas as feiticeiras malévolas, fora definitivamente derrotada e a luz vencera e unira o reino mágico das fadas e o povo dos seres brilhantes da ilha, não só pela ponte de água sólida mas também pela confiança dos corações.
Durante o seu exílio, no primeiro castelo do reino, apenas sua mãe, Ornix e os jovens magos que se haviam arriscado para a salvar a visitavam regularmente, colocando-a a par de tudo o que se passava, através de novas e poderosas formas de magia que permitiam ver e ouvir tudo sem sair do seu aposento feito prisão. Custava-lhe pensar que havia sido privada de presenciar e experimentar tudo isso e todas as experiências e vivências do novo reino unido em que o lago das mil cores já não era obstáculo mas ponte e caminho.
Faltavam poucos dias para sair dali. Por isso, naquela manhã, aguardava mais ansiosamente a visita da rainha Amada. Estava na hora. Pela janela alta viu-a chegar e dirigiu-se à porta de madeira pesada, onde fora gravando todos os dias da sua solidão.
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No reino mágico das fadas (1)
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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Post.it: Check-up

Quantas vezes nos queixamos da nossa saúde, desta ou daquela dor,  está  na hora de fazermos um check-up.
Com surpresa constatamos que realmente há pessoas doentes, não é mera lamechice:

  • A tensão arterial está baixa, baixa de ternura que não dão nem  sabem receber.
  • A temperatura subiu  de tal forma que chega a atingir os 40 graus do mais puro e solitário  egoísmo.
  • O coração apavorado ameaça saltar do peito, com medo que a vida lhe fuja porque a vive  desprovida de valores,  de atitudes nobres.
  • Os ossos doloridos impedem o  caminhar ao lado daqueles que precisam de auxilio.
  • Os braços parecem estar fracturados de rigidez, pela imobilidade de tantos abraços adiados.
  • Surge alguma miopia, daquela que só permite ver o que agrada e que se prende demasiado às aparências.
  • A garganta dorida impede as palavras, porque todas elas são amargas críticas que se dirige a tudo e a todos.
  • A surdez  começa a acentuar-se, não aquela que vem dos ouvidos, mas aquela que vem da alma. Uma surdez que bloqueia os sentidos, que   impede de ouvir os outros, de os ver com os olhos do coração, de os sentir com o corpo inteiro.
Que doença é esta perguntam assustados?
- Indiferença.  Responde-nos o coração.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Post.it: Morte

Já nos encontrámos algumas vezes. Esta “amizade” começou na minha tenra idade. Quando ainda não lhe conhecia o nome nem o destino. Depois disso cruzámo-nos por breves instantes, mas não me cumprimentou. Estava demasiado assoberbada em cumprir a sua missão. Por vezes confundo-a com a noite escura, porque me ensinaram a vê-la de negro. Mas já a vi chegar no despontar do dia ou no raiar da tarde. Chamo-lhe triste, quando talvez não seja, mas é esse o sentir que muitas vezes nos deixa de herança na sua passagem. Já te vi chegar quando tudo em redor sorria, e senti-a como se fosse uma festa, uma bênção em que os corações unidos entoavam melodias não de adeus mas de até um dia de reencontro. Já a vi chegar quando o sol entristecido se escondia nas nuvens para chorar, envergonhado demais para mostrar a sua fraqueza, o seu sentir. Nesses momentos sinto a amargura da tua chegada, que veio antecipada. Não sei como te apelidar, não sei como te receber, não sei como te esperar. Se fugir, se parar, porque sei que mais tarde ou mais cedo nos iremos encontrar, frente a frente, sem saber o que te dizer.
Por isso aprendi a conviver com a tua existência, deixei de te questionar. E quando te leio em algum olhar, choro-te a ti e a quem parte. Porque tens a mais dolorosa missão, de espalhar lágrimas e de deixar saudades. Mas de vez em quando sinto que vens ligeira, como se  te doesse menos essa função,  nesse dia não te chamam morte mas sorte porque  levas-lhe a dor e lhe concedes a paz.
Quanto a mim cito adaptando. (Fiz um acordo de coexistência pacifica com a morte, nem ela me persegue, nem eu fujo dela, um dia a gente se  encontra).

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Post.it: Silêncio e som

 Aprecio o silêncio, aquele que não é apenas a omissão de palavras ou de sons. Um silêncio feito de energias, de vitalidade: a gravidade, o movimento de rotação e translação da terra, a luz, ou o abrir duma flor, a divisão das células, a fotossíntese, o passeio das nuvens no azul do céu, o luar, o arco-íris desenhado no horizonte, os sonhos que nos fazem esvoaçar sem sair do lugar, os pensamentos em cascatas de liberdade, as mãos de muitas lutas descansando sobre o regaço, o olhar que entardece inebriado de azul celeste.
Mas também gosto do som, que não é ruído nem barulho perturbador. O som feito de momentos que nos preenchem os sentidos e criam gratas memórias: o som dos passos sobre a gravilha, o  da água a correr na fonte, o vento a dançar por entre as árvores, o crepitar da lenha na lareira, dos animais do campo, do chilrear dos pássaros, dos grilos numa serenata à noite, das rãs embalando os lagos, das ondas deleitando-se na areia.
Sons e silêncios que se propagam numa mágica frequência, de subtis harmonias. 

Era uma vez: No reino mágico das fadas (43)

Do outro lado do lago, também se fizera silêncio. Toda a multidão e a própria rainha foram dominadas pela surpresa daquele caminho de luz.
As águas ondulavam muito suavemente, num marulhar cantante e melodioso que parecia contar mil histórias e falar de mil caminhos de procura, de esperança, de construção e de futuro. Na praia do reino mágico, o espanto e o silêncio cresceram ainda mais quando a rainha Amada e Ornix se dirigiram à ponte feita de água e cor e começaram a percorrê-la, lado a lado, em passos firmes e confiantes.
Na ilha, Inventix pediu permissão aos membros do conselho para percorrer o caminho do lago, seguindo a sugestão do pensamento de Ornix que acabara de receber. Foi-lhe concedida e ele convidou a princesa Marbel e os jovens magos a acompanhá-lo.
Nenhum dos que se aventurou na travessia da nova ponte sentiu qualquer dúvida ou temor. A confiança e a alegria dominavam-nos e uniam-nos no mesmo desejo de aproximação e encontro. Por isso, nenhum deles sentiu qualquer receio ou vontade de voltar atrás quando, depois de percorridos mais de mil braços de um e de outro lado, começaram a avistar, no centro da ponte, um amplo largo dominado por uma luz diferente, cheia de tonalidades vermelhas e ponteada por várias figuras altas e esguias que se assemelhavam a colunas de fogo com braços estendidos e ondulantes e com rostos de fadas e de seres brilhantes, de olhos escuros e fundos que pareciam feitos da mesma água sólida da ponte.
Ladeando a ponte, as águas continuavam a ondular muito suavemente, num marulhar cantante e melodioso, de onde se iam destacando palavras e frases que se tornavam cada vez mais claras e perceptíveis e traziam ideias que pareciam nascer dos olhos profundos daqueles seres de fogo que aguardavam a chegada dos que se aventuravam a percorrer aquele caminho de água luz.
Quando os dois grupos estavam bastante próximos do largo central da ponte, os vultos de fogo formaram um círculo, todos de costas para as águas e de olhos postos no centro do largo, esperando a chegada dos dois grupos de caminhantes, que, entretanto, se tinham avistado mutuamente, encontrando nova e mais forte razão para continuarem a avançar em direcção ao largo e às figuras incandescentes e de olhos escuros e fundos.
Nas margens do lago, a multidão de fadas e magos, na praia do reino mágico, e a multidão de seres brilhantes, na praia da ilha, acompanhavam os caminhantes da ponte pelo reflexo que dela se formara no céu escuro e límpido. Um “oh” de espanto ergueu-se das duas margens perante a visão do largo que se formou no meio da ponte e dos seres de fogo que nele surgiram. Mas a experiência recente de luta contra a sombra disse-lhes que não poderiam sentir ou mostrar qualquer receio. Além disso, o canto do marulhar suave das ondas do lago cantava uma história de confiança que enchia os corações de expectativa positiva face àquele encontro inédito que estava prestes a acontecer naquele largo feito de águas sólida do lago e inundado de luz.
Tudo se quedou e silenciou, até o marulhar do lago, quando os caminhantes pisaram o largo foram rodeados pelos seres de fogo, que estreitaram o círculo e formaram um cúpula sobre ele.
………….
Continua
……………
No reino mágico das fadas (1)
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terça-feira, 14 de junho de 2011

Muitos aniversários felizes

Que presente te dar
Se tu muito mais nos ofereces.
Com essa  serenidade no olhar
Em cada que  dia amanheces.

Busco  em meu redor
sem encontrar no mundo.
Uma oferenda melhor
que o mágico segundo.

Em que a vida se eterniza
e o sentir se enobrece.
Quando a galáxia se harmoniza
E a felicidade acontece.

Aquele que a vida agradece,
O dia do teu nascimento.
Aquele que engrandece,
O mais simples momento.

Celebra muitos aniversários felizes
Dourados momentos sem idade
Parabéns porque existes,
E dás sentido à palavra amizade.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Santo António

Meu Sto. António protector.
Deste coração desolado.
Que tem procurado o amor
Sempre no lugar errado.

Perdoa-me a ousadia
De voltar a tentar,
Que a minha poesia
Te possa cativar.

Para que a tua bondade
Surta em mim efeito
Traz-me a felicidade
de encontrar o amor perfeito.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Cravo de papel



Cravo de papel
que adorna o manjerico.
Traz-me um amor fiel,
e já agora que seja rico.

Rico de carinho,
Rico de paixão,
Para não ficar sozinho
O meu pobre coração.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Post.it: Desgosto

Olham-te, elogiam e invejam a tua calma, a tua serenidade.
Se soubessem dos teus fantasmas, dos teus medos, dos teus desejos frustrados. Das tuas mãos vazias pela ausência de outras. Se soubessem das tempestades que te agitam o coração. Das lutas perdidas. Dos dias que adormecem no cansaço da noite. Das lágrimas que escondes quando a tristeza te invade. Talvez se rissem da tua dor, talvez não compreendessem os teus fracassos, quando essa pessoa é um deles. O sonho que acalentaste durante tanto tempo, até um fio de neve te salpicar o  cabelo. Até te olhares no espelho e tocares nessa ruga que tem o seu nome. Se soubessem ler no teu olhar o sentimento que tinhas para lhe oferecer. Cuidaste dele a vida inteira, como que cuida de uma flor a que chamaste Amor. Mas agora que essa ruga te marcou o rosto, partes dele, vais recomeçar, vais cultivar outro jardim e esquecer o seu nome que rima com gosto mas acabou por ser...

Era uma vez: No reino mágico das fadas (42)

A sombra desfizera-se em nada, nem um fraco gemido, nem um grão de pó restara dela. Durante longos momentos apenas se ouviu o silêncio e se saboreou o nada em que a sombra se desfizera. Um silêncio que se foi enchendo de suspiros de alívio, de risos de alegria e de saudações da multidão à rainha e às forças militares dos dois reinos. Um nada que se foi transformando em luz e reencontro e abraços e esperança.
A rainha Amada e Ornix continuavam juntos, de mãos e corações unidos. Olhavam a multidão e olhavam-se mutuamente, sem uma palavra. O olhar dizia tudo. Falava do primeiro encontro, das recordações quase esquecidas, do renascer da lembrança, da procura de novo encontro, do risco e da vontade mútua de confiar, da luta contra o medo, da sabedoria de confiar e construir a união.
A multidão continuava a encher a praça. As formações militares, ainda no ar, rodeavam a multidão e uniam-se ao seu clamor. Do lago, chegava a luz do clarão que se mantinha aceso na ilha, onde em todas as cidades se celebrava a vitória sobre a sombra e tudo o que ela significava. A rainha, na varanda com Ornix, a fada Astuta e Corix, preparava-se para falar. Mas um som grave e profundo começou a ouvir-se e encheu o ar. A multidão silenciou e as forças militares retornaram prontamente a formação inicial e dirigiram-se para o lago das mil cores, de onde vinha aquele som que ecoava com toda a força e enchia tudo sem fazer estremecer nada. A multidão seguiu as forças militares e a rainha, fazendo uso dos seus poderes mágicos, elevou-se com Ornix, acima de todos, de olhos postos no lago que se encontrava completamente iluminado, com as suas mil cores a brilhar e a dançar na ondulação suave e marulhante.
Também na ilha ecoara a força do mesmo som. Todos os seres brilhantes que se encontravam reunidos na cidade principal e os membros do conselho de decisores, acompanhados da princesa Marbel e dos jovens magos já restabelecidos, dirigiram-se para as margens do lago das mil cores, de onde nascia aquele chamamento grave e profundo. A praia encheu-se de seres brilhantes diante das águas resplandecentes e ondulantes que exibiam as suas mil tonalidades de cor brilhante.
O som continuava a ecoar e, no entanto, nada se via, apenas uma maior agitação numa faixa das águas que formava uma linha recta entre as duas margens. Aí, as águas começavam a tornar-se mais espessas e as suas cores mais opacas e pastosas e, perante a admiração de todos, foram-se elevando até cerca de um metro do nível do lago e a sua massa líquida transformou-se lentamente, surgindo em vez dela uma longa e larga faixa de água sólida e firme que reflectia as mesmas mil tonalidades do lago mil cores.
Ao mesmo tempo, o som que atraíra toda a atenção foi-se transformando em melodia que, a pouco e pouco, se misturou e confundiu com o marulhar das ondas. Toda a luz que iluminava o lago se concentrou naquela massa de água sólida que surgia, agora, como um longo e largo caminho que se abrira entre o reino mágico e a ilha dos seres brilhantes.
Às exclamações de admiração seguiu-se um silêncio de espanto e comoção. O lago tinha criado uma ponte, tinha construído com as suas próprias águas um caminho de passagem e encontro.
………….
Continua
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No reino mágico das fadas (43)
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terça-feira, 7 de junho de 2011

Esquecimento

Tenho pedaços de noite,
talhando a madrugada.
No fio afiado da foice,
que ceifa a dura estrada.

Encoberta de nevoeiro,
solidão e aguaceiro.
Queda de água ferida,
no rio da nossa vida.

Cavalo alado correndo,
na luz se desvanecendo.
No dorso do caminho,
erva, urze e azevinho.

Cumes brancos de neve,
nos pulmões um ar  leve.
Ávidos de firmamento,
sedentos de esquecimento.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Post.it: Cuidar da vida

De manhã pego na Vida que tinha colocado sobre a mesa de cabeceira.
Guardo-a no bolso, este pequeno nada que é tudo, a minha energia, a minha fábrica de sonhos reais e imaginários.
Olho-a e sorrio, acordo sempre bem disposta, talvez porque estás comigo, porque me tornas mais inteira.
Espreguiço a preguiça, sacudo os restos  de noite e entro na madrugada.
Como gosto das manhãs, sejam de sol ou cinzentas.
O cheiro a natureza ainda não muito poluída. Por aqui o galo não canta mas a minha alma provinciana ouve-o na distância.
“Sou filha da madrugada” é verdade nasci quando o sol ainda mal anunciava o dia, 6 da manhã, não deixei a minha mãe dormir nem mais um momento. Queria ver o mundo e ser vista por ele.
Desde então caminho nesta Vida, com algumas rectas, algumas curvas, algumas mesmo muito apertadas, mas sem grandes incidentes de percurso cheguei aqui.
Ganhei e perdi pessoas, guardei-as fazem parte do que sou. As memórias deixam de ser nossas a dada altura, tornam-se nós.
Às vezes penso nestes retratos que nenhuma máquina por mais pixes tenha consegue capturar, os ganhos e perdas, as marcas que a Vida deixa. O coração que se enche e esvazia não só de sangue mas de sentimentos.
A Vida, vivemos como se ela não existisse enquanto algo absoluto, como se não tivéssemos que tomar conta dela.
Desvalorizamos o seu sofrer que é um grito para que lhe demos atenção, e só quando ela dói em nós, é que paramos e tentamos perceber. A pergunta sacramental, porquê, porquê eu?
É a Vida a pedir atenção. É a Vida a pedir Amor.
Temos tanto julgando por vezes que não temos quase nada. Temos Vida.
Uma vida que cuida de nós e nos pede que cuidemos dela.

Era uma vez: No reino mágico das fadas (41)

A sombra sentiu a confiança da rainha a vacilar, quando a atingiu com a maldade ardente e vermelha do seu olhar. Porém, não teve tempo de se regozijar com isso, pois nos seus olhos leu a determinação e a coragem inabalável com que afastou o desânimo que tentara semear nela. A doçura e limpidez do olhar da rainha eram como espadas afiadas a feri-la e a abrir fendas por onde o poder maléfico se esvaía. Sempre conseguira semear desconfiança, medo e discórdia, sempre fora capaz de fazer crescer os maus sentimentos semeados. Eram eles a sua força, pois geravam conflitos e rancores e ódios e guerras, ao mesmo tempo que alimentavam o seu negrume e o seu fogo tenebroso, ajudando-a a crescer e a fortalecer-se.
Mas, desta vez, o seu esforço não estava a ter sucesso. Aquela fada, tão pequenina ao pé de si, que pensara poder vergar facilmente, erguera-se sem medo diante do seu poder ameaçador e com uma magia tão simples, feita de luz e confiança, enfrentava-a olhos nos olhos e nem seu olhar aterrador, feito de ódio e fogo, conseguia vergar o seu objectivo de unir fadas, magos e seres brilhantes numa única vontade, gerada e alimentada pela confiança mutua.
Ornix sentiu esta luta tremenda e admirou ainda mais a fada rainha. Chamou todos os pensamentos de união e apoio que lhe chegavam das cidades da ilha e, colocando as mãos sobre os ombros da rainha, enfrentou também ele o olhar incandescente da sombra. Olhou-a de frente e decididamente, deixando transparecer todo o afecto e toda a admiração que nutria pela rainha Amada, todo o desejo de união entre os dois povos, toda a determinação de construir um caminho comum, toda a esperança que o recente entendimento havia gerado.
A sombra sentiu-se atacada e enfraquecida mas resistiu e enchameou os olhos e inflou ainda mais a nuvem de fumo e negrume, roncando e fazendo estremecer tudo. Agarrou-se à força das vozes lancinantes e odiosas das filhas aprisionadas e tentou varrer a praça com o seu fogo. Mas a luz real continuava firme e conseguiu proteger a multidão, reflectindo todas as chamas e toda a maldade da sombra.
Na praça, a confiança redobrou e, a um gesto da fada Astuta, todos enfrentaram com firmeza os olhos maléficos e juntaram a sua confiança à da rainha Amada que, sentindo o apoio do seu povo redobrou de forças e decisão.
A sombra tentou por todos os meios anular essa confiança e coesão, mas as forças faltaram-lhe. Nada havia ali que a alimentasse. Sem os sentimentos de desconfiança e discórdia, sem a agressividade do ódio e dos conflitos, não podia continuar a lutar. Eram eles o seu alimento e a sua força. Ainda tentou encontrar algum olhar vacilante entre a multidão, por onde pudesse fazer penetrar algum ódio, de onde pudesse retirar qualquer força. Mas não havia nenhum olhar assim. Tentou absorver a força das vozes longínquas das filhas, mas era insuficiente e fraca. Tentou, mais uma vez, redobrar o horror e o fogo do seu olhar, mas nada se vergou a ele. A confiança foi maior que o medo. Sentia a sua força a escapar-se pelas feridas que aquela união lhe infligia e rapidamente fazia crescer. Desistiu. Encolheu-se. Apagou o fogo dos olhos. Voltou o olhar para a noite que, agora, cobria o céu. Mas, até o firmamento parecia estar contra ela, de tal modo se encheu do brilho das estrelas. Recolheu as franjas incandescentes e deixou de fumegar. Calou-se e o silêncio reinou. Sentia-se vencida. A humilhação e o rancor eram tais que a roíam por dentro. Ainda rugiu e ameaçou, com voz rouca de raiva: “eu voltarei e neste reino, em todos os reinos, tudo será cinzas e nada!”
Ouviu-se um ronco tremendo e uma gargalhada longa e tenebrosa, enquanto a sombra rodou sobre si própria e se preparava para fugir.
Não contava com o novo obstáculo. Assim que se voltou o lago, viu uma muralha de fadas, magos e seres brilhantes, organizados em sucessivas filas e unidos pelo simples toque das mãos e pela confiança dos corações.
Tal visão horrorizou-a. Agoniou-se e gritou, urrou, esfumou e esguichou fogo em todas as direcções. A muralha viva e unida aproximou-se e cercou-a. Olhou-a nos olhos arregalados e vermelhos de fogo, ódio e medo. Sentiu-se acossada pelos seus piores inimigos. Todos tinham compreendido o segredo do seu poder e estavam a roubar-lho! Tentou esconder-se em si própria e disfarçar-se de escuridão nocturna. Porém, sobre o lago um clarão crescia e aproximava-se. Iluminou primeiro a enorme formação de fadas, magos e seres brilhantes, tornando tal visão ainda mais odiosa para a sombra. Depois, passou por eles e inundou a sombra de luz. Ela fechou os olhos, roncou e gemeu, tentou fugir para terra e esconder-se daquela luz. Mas de nada valeu. Encontrou outra barreira – a luz mágica da rainha Amada, que crescera com a confiança da multidão e inundava tudo e todos. Não havia escapatória. Estava cercada de luz e de esperança! Começou a mirrar e a esconder-se em si própria, mas só conseguiu esfiapar-se e desfazer-se em farrapos de fumo e pó, enquanto a voz rouca se foi tornando grito e lamento e gemido, até que, por fim, da sombra, só restou nada e silêncio!
………….

Continua
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sexta-feira, 3 de junho de 2011

Post.it: Aprender sem dor

“Há coisas que não se aprendem sem dor” Ingrid Betancourt.
É uma frase que só por si magoa, deixa-nos órfãos de razões para a contestar.
Resta-nos ser humildes e receber as lições que vida nos proporcione. Resta-nos desejar que não tenhamos que aprender essas coisas. Para que possamos crescer sem mágoas, traumas, amarguras. Para que não nos roubem os sonhos,  os desejos  e a liberdade de chegar mais além. Para que não nos esqueçamos de construir ideais, para que não nos anulem as ambições e nos deixem vazios de esperança. Dizem que o corpo humano é 70 % água, mas no seu sentir, somos talvez 70 % de emoção que nos faz harmonizar a realidade e acordar todos os dias com vontade de amar, de lutar, de conquistar. Se há coisas que não se aprendem sem dor muitas outras aprendem-se com amor. Um desejo para todos nós é que estas últimas sejam 90% da nossa vida.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Post.it: A noite mais escura que eu

Não sei como contar, sobre este encontro, o momento em que as palavras deixaram de fazer sentido e toda a verdade revelou-se no silêncio. Era noite, uma noite sem luar, uma noite sem estrelas. O céu parecia nu, abandonado, escuro, vazio. Olhei-o sem entender o que via e por um instante, um breve instante, tive a sensação de ver a minha alma, nua, abandonada, escura, vazia. Esfreguei os olhos, olhei de novo e, lá estava a noite mais escura que eu. Entristeci-me por ela, entristeci-me por mim. Quis  abraçá-la para me sentir abraçada. Quis dizer-lhe palavras de ânimo para as ouvir também. Ficámos horas sentindo, apenas sentindo, diria que a solidão, mas seria injusto porque ela foi a minha e eu a sua companhia. Eu olhava para ela, tão infinita, ela olhava para mim, tão finita. O primeiro raio de sol anunciou a despedida. O meu rosto iluminou-se, a minha alma encheu-se de esperança. Segui os meus passos, firmes no caminho. A noite ficou-me na lembrança. Ficou-me no coração. Ela permanece escura, eu, terei momentos, mas quando eles chegarem, fecharei os olhos e sonharei com noites de luar e de céu estrelado. Mas ela, ela continuará infinitamente escura.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Post.it: A terra do nunca

Onde nunca nos magoamos.
Onde nunca choramos.
Onde nunca estamos sozinhos.
Onde nunca nos faltam amigos.
Onde nunca somos pobres.
Onde nunca  temos  de comer vegetais.
Onde nunca nos limitam os doces.
Onde nunca somos gordos nem magros.
Onde nunca somos bonitos ou feios.
Onde nunca temos hora para dormir ou levantar.
Onde nunca os colegas nos batem.
Onde nunca temos tpc(s) para fazer.
Onde nunca temos que arrumar o quarto.
Onde nunca temos responsabilidades.
Onde nunca os pais se separam.
Onde nunca temos que escolher o pai ou a mãe.
Onde nunca temos que deixar de brincar.
Onde nunca deixa de ser Natal.
Onde nunca deixa de ser Verão.
Onde nunca deixamos de sonhar.
Onde nunca temos que crescer.
De onde nunca queremos sair,
 mas saímos demasiado cedo.

Era uma vez: No reino mágico das fadas (40)

A rainha Amada continuava concentrada no seu esforço de iluminar a multidão, combatendo a negrura e a tristeza da sombra. A fada Astuta e os dois seres brilhantes uniam-se a ela, tocando as suas mãos e transmitindo confiança à multidão, com o rosto levantado, olhar firme e o coração aberto. Os quatro viram como a sombra tinha aproveitado os focos de medo perante a vermelhidão que a cobrira e o fogo em que se havia ateado, sem nele se consumir. Tacitamente, repartiram a sua concentração por esses minúsculos pontos fracos e conseguiram neutralizá-los e recuperar a coesão e confiança de todos os que se encontravam na praça.
Ornix falou:
“Rainha Amada, vamos receber reforços. Na ilha, a população de todas as cidades está reunida e unida, a criar um clarão de luz que cresce a cada instante e, em breve, atravessará o lago das mil cores. À vista do reino encontra-se o vosso contingente militar que está de regresso, acompanhado das forças de segurança da ilha. Têm um plano para neutralizar a sombra e o seu poder maldito.”
O coração da rainha alegrou-se e recuperou a força interior que começava a fraquejar. Respondeu:
“A lenda estava certa: o poder maléfico gerava desconfiança entre nós para poder dominar-nos! Temos de ser fortes e vencê-lo de uma vez por todas! Comunique aos seus a minha gratidão”.
A sombra tentava crescer, incendiar-se e cobrir-se de fumo negro. Sentia-se trespassar pelos pensamentos de colaboração e confiança entre os povos do reino mágico e da ilha. Eram como feridas que a consumiam e por onde o seu poder se esvaia.
Recorreu ao último trunfo – o seu poder de alucinar e distorcer a realidade. Teria de reunir todas as suas energias, pois essa feitiçaria requeria um grande esforço e muita concentração e energia. Lançou um apelo às filhas aprisionadas. Precisava do eco e da raiva das suas vozes gritantes e revoltadas para crescer e enfeitiçar a multidão. Adivinhou que estava a ser cercada e sentiu que esta seria a sua última oportunidade. O seu urro fundo e cavo ouviu-se no reino mágico, arrepiou as forças militares e embraveceu as águas do lago, onde as feiticeiras filhas receberam o apelo da mãe. Tinham-se aquietado e escondido com medo da luminosidade do clarão que crescia a partir da ilha e da movimentação que viam nos céus que cobriam as águas. A voz da mãe agitou-as e revoltou-as ainda mais. A raiva de não poderem libertar-se cresceu e o eco das suas vozes lancinantes e carregadas de ódio atravessou o lago e foi directo à mãe sombra que o absorveu todinho, aproveitando a sua energia por completo. Inflou e cresceu. Expandiu-se ainda mais e roncou com todas as suas forças. Deixou, pela primeira vez, que a multidão visse os seus olhos incandescentes que dirigiu para a rainha Amada. Tinha de atingir o coração do reino, pois era nele que residia a fonte de toda a força capaz de gerar tamanha união.
A rainha foi envolvida pelo olhar maléfico e estremeceu. Sentiu a mão de Astuta no seu braço direito e a mão de Ornix no seu ombro esquerdo. A pressão que ambos exerciam pareceu-lhe excessiva e teve vontade de se libertar dela, desconfiando que estavam a tentar prendê-la. Mas no seu íntimo soou um alarme, como um aviso profundo e calmo, como uma voz muito sumida, mas audível: “não deixes que a sombra te engane – enfrenta o seu olhar e não faças nada que ela queira. Confia em ti e nos que te rodeiam”.
A rainha Amada manteve-se firme perante aqueles olhos incendiados de fogo e ódio. Enfrentou-os com o seu olhar claro, límpido e carregado de doçura e confiança. Sabia que o reino dependia da sua coragem e da sua força. Isso deu-lhe a energia necessária para não ceder ao desânimo que os olhos da sombra queriam semear nela. Mas não sabia por quanto tempo conseguiria resistir.
………….
Continua
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No reino mágico das fadas (41)
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